XXXIII - Ab Aeterno

Voltaram a entrar no barco, teriam de seguir rapidamente para Roma. Os guardas viriam certamente atrás deles, e em maior número. Não poderiam arriscar tudo agora.
Já com o barco em andamento, Menditus não resistiu em perguntar a Plínio quem era a tal ajuda de peso de que ele tinha falado.
- Ah… Isso…
- Então?
- Epá… É que… Sinceramente já não me lembro.
Ficaram todos boquiabertos a olhar para Plínio.
- Mas não te lembras, como? – Inquire Edgar.
- Pá… Não me lembro. Desde ontem à noite até hoje parece que já passaram uns seis meses. Estranho não é?
- Agora que falas nisso, - Intervém Geraldus. – Eu também estou com essa sensação. Se não soubesse que tinha passado apenas uma noite diria que tinham passado alguns meses, sim. Mas, oh Plínio, tu falavas de uma coisa em grande, de certo que te lembrarás!
- Não. Juro que não me lembro. É que nem faço a mínima ideia.
- Bem, neste caso, - Menditus parecia certo do que ia dizer. – O que temos a fazer é…
De súbito uma onda enorme quase tombou o barco, atirando todos os que se encontravam sentados a conversar para o lado oposto do barco.
- Que raio? – Gaius estava perplexo. – O tempo estava óptimo, o mar calmo, de onde veio esta onda?
- Muito estranho. Cá para mim isto é o tal aquecimento global que aquele chato do Al Gorus anda sempre a falar.
- Gaius… Olha para trás de ti.
A expressão de Gaius alterou-se por completo. No horizonte, uma única nuvem preta preenchia todo o céu, rodando sobre si mesma, criando um furacão aterrador.
- E agora? – Pergunta Menditus, assustado.
- Segurem-se. Vou tentar estabilizar o barco. – Edgar parecia saber o que fazer.
- Sim, tu que és descendentes dos Vikings, quiçá até dos Children of Bodomis.
A ondulação começou a subir cada vez mais, enchendo de temor os heróicos companheiros. O vento soprava cada vez mais forte, como se tivesse saído da boca do próprio Diabo.
- Não vamos aguentar! – Grita Menditus, completamente encharcado, tentando manter o equilíbrio. – Cuidado!
Uma vaga com cerca de quatro metros de altura atinge um dos lados do barco, fazendo com que este virasse e atirasse todos à água.
Foram virados e revirados pelo mar tumultuoso, fazendo com que todos, um a um, fossem perdendo os sentidos. Para os que conseguiram ainda um momento de lucidez, um ténue segundo em que puderam pensar, apenas um pensamento passou nas suas mentes: a morte.
Quando o primeiro raio de luz fez cócegas nas pálpebras de Plínio Plagius, este pensava estar a receber as boas vindas ao Céu. Levantou-se, cambaleando, e, vislumbrando toda a beleza que a praia e a costa lhe oferecia, começou a correr e a agradecer a existência do Céu.
- Sim! Deus é grande! Que belo paraíso me oferece e…
Plínio tropeçou e enfiou a cabeça na areia.
- Au! Então pá?!
Plínio levantou a cabeça e olhou para trás. Cuspiu a areia que tinha na boca e viu Sancto Geraldus, o seu professor, estendido na areia a apanhar banhos de sol.
- Sai lá da frente que estás a estragar o meu bronze. Quando voltar a Roma quero estar em grande.
- Geraldus! Também morreste pá!
- Não morri nada, estás parvo? Achas que eu, um anjo na terra, um místico, poderia morrer?
- Mas nós afogámo-nos todos…
- Perdão, TU afogaste-te. Tu e os outros. Eu nadei graciosamente, aliás, sou dos três melhores do mundo a nadar, seguramente, até à costa e agora estou aqui à espera que o Sol me deixe bem bronzeado.
- Geraldus, estás em negação. Nós morremos. Olha em teu redor. Não há nada. Não há ninguém. E este sitio, é paradisíaco.
- Não estamos mortos, Plínio… Estamos apenas… PERDIDOS.
Geraldus e Plínio começam a olhar à sua volta.
- Porque é que raio ficou tudo escuro e surgiu um pedaço de orquestra?
- Não faço ideia… - Plínio começou a andar em direcção ao mar. – Será que o nosso braço deu à costa? E os outros?
- Isso, meu caro. – Diz Geraldus, enquanto pousa a mão no ombro de Plínio. – Só Deus saberá.
A pouco mais de um quilómetro dali, Menditus e Salvadorus acordavam praticamente ao mesmo tempo. Deram graças por estarem vivos e começaram a procurar sobreviventes. Passado pouco tempo encontram Edgar.
- Olhem lá, - Diz Edgar. – Vocês por acaso já repararam que, quando alguém diz PERDIDOS surge um bocado de música? Oh, lá está!
- Pois, - Retorque Salvadorus. – Já tinha reparado.
- E, ainda mais estranho, - Continua Edgar. – Vi um urso!
- Era o Plínio!
- Não, era mesmo um Urso. Polar, ainda por cima,
- Era o Plínio! Os pelos ficaram brancos por causa do frio!
- Menditus, era mesmo um Urso Polar. Eu sei que querias que o Plínio estivesse vivo, mais o mais provável é que ele tenha perecido no naufrágio… Tens de ser forte Menditus.
- Que barulho é este? – Um som estranho assusta os três homens.
- Certamente que este barulho terá algum signficado importantíssimo! – Edgar parecia entusiasmando.
- Não, desculpem… - Salvadorus afaga a barriga. – Era apenas a minha barriga, estou com uma fome que não se pode.
- …
Começaram os três a caminhar junto à água. Pensaram que, melhor do que se aventurarem pela terra adentro, correndo o risco de encontrar povos hostis, seguiriam a linha do mar, esperando ver algum porto ou algum sinal de civilização.
Entretanto, Plínio e Geraldus faziam exactamente o oposto, aventurando-se pelo mato denso.
- Eh, oh Plínio, chega lá aqui. – Geraldus estava dobrado a olhar para trás de uns arbustos. Vê lá isto.
Plínio chegou perto de Geraldus e ficou espantado com o que via diante dos seus olhos. Era uma espécie de escotilha, amarela.
- Oh Geraldus. Eu não quero ser chato, mas olha que isso não serve para nada.
- Não serve? Mas… É uma escotilha! Amarela! No meio da floresta!
- Não pá, lamento, parece-me que isso não serve mesmo de nada. Um mero McGuffin
- Um quem?
- McGuffin. Quando algum criador usa algo só para fazer a história avençar, mas que, no fundo, não serve de nada.
- Olha que não, cheira-me que isto é importante.
- O que te cheira é aquela nuvem de fumo. Vê! – Geraldus aponta para o horizonte.
Os dois começam a correr em direcção á origem do fumo, ignorando que este foi iniciado por Menditus, Edgar e Salvadorus.
- Salvadorus… - Menditus estava incrédulo. – Achas que esta era mesmo a melhor altura para comeres javali assado?
- Eu sei, eu sei, mas estava cheio de fome!
Plínio e Geraldus corriam o mais que podiam. Quando se aproximaram o suficiente para discernir, Plínio parou subitamente de correr. Geraldus perguntou-lhe o que se passava, mas este não respondeu. Estava a ter um flashback. Subitamente, Plínio abanou a cabeça, como se despertando dum sonho e voltou a correr, deixando Geraldus parado.
- Plínio! Tiveste outro flashback?!
- Tive. Já me estou a passar com isso.
- Esta ilha é mesmo estranha, também já estou a passar com isto. E parece-me que esta ilha tem poderes mágicos.
- Como assim?
- Não sei, é uma sensação que tenho. Acredito que se um coxo ou um cego pisassem esta ilha ficassem logo curados das suas maleitas.
- Achas?
- Sim. E só não te tornou um homem porque, magia magia, milagres à parte não é?
- … Vamos mas é ver de onde vem o fumo!
Quando chegaram à clareira não queriam acreditar nos seus olhos. Viram Edgar e Menditus sentados de braços cruzados enquanto Salvadorus empilhava pernas de javali completamente ruídas.
O facto de toda a gente estar viva foi um motivo de celebração. Comeram todos Javali, pelo menos o que Salvadorus deixou que os outros comessem. Depois, iriam descansar. Teriam de encontrar uma saída. Roma esperava por eles.

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