XXXI - Malo Mori Quam Foedari

Chegaram rapidamente às portas de Roma. Viam poucas pessoas ao longo das estradas, os arredores de Roma pareciam desertificados. Ao passarem pelas primeira fronteira colocada a caminho de Roma, Venusiana ia ao comando da carroça, ficando Plínio e os restantes companheiros escondidos debaixo de umas lonas.
- Alto! Quem anda aí? – Grita o legionário romano.
- Ninguém, apenas uma psicóloga a caminho de Roma.
- E o que levas aí, oh psicóloga?
- Nada.
- Nada? – Diz Plínio lá de trás, indignado.
- Que foi isto? – Pergunta o legionário
- Nada! – Responde Venusiana, dando um chuto na lona.
- Bom, então eu vou ter que investigar o que há lá para trás. Os seus documentos, por favor. Vamos ver se está tudo em conformidade com o código da estrada empedrada.
Venusiana dá-lhe os documentos, enquanto a legião anda à volta da carroça.
- Espere! – Diz Venusiana. – Veja lá bem os documentos, pode ser que haja alguma irregularidade!
- Já vai, primeiro quero ver o que há debaixo destas lonas.
O legião levanta a lona.
- Não! – Grita Venusiana.
Não havia nada debaixo das lonas.
- Não o quê? – Pergunta o legionário, desconfiado.
- Não me lembro onde deixei uma coisa.
- O quê?
- A… Mala.
- Hmmmmm.. Bem, pode seguir.
Entretanto, atrás de uns arbustos, Plínio e os seus companheiros aguardavam que o guarda se distraísse para voltar para a carroça.
- Então e se ele não sair da carroça? – Pergunta Gaius.
- Então, o ali o Salvadorus vai lá, e, sendo ele um reconhecido guardião / lutador / legionário / ninja / cinturão negro das mais diversas artes marciais / manejador de todas as armas e utensílios de cozinha, dá cabo dele. E nós seguimos. – Responde Geraldus, despreocupado.
- As tuas palavras honram-me, Geraldus, mas talvez seja imprudente avançar assim. – Retorque Salvadorus.
- Tens razão. – Intervém Menditus. – Geraldus, ouve as palavras sábias de Salvadorus, pois além do que tu mencionaste na tua intervenção anterior, ele é igualmente um mestre da estratégia militar.
Decidiram então esperar para ver o que Venusiana conseguia fazer.
- Então a senhora pode ir andando. – Diz o Legionário, fazendo sinal para ela avançar.
Venusiana não se movia.
- Então, está confusa? Roma é para aquele lado. – O Legionário aponta para Roma.
- Ah, é que… Estou só a pensar numa coisa…
Os restantes viajantes aguardavam atrás do arbusto, impancientes.
- Eu não aguento mais, eu vou lá e desfaço o gajo. – Diz Plínio. – Ele está a desconfiar de alguma coisa.
- Tem calma, Plínio. – Argumenta Menditus. – É melhor ir o Salvadorus. Salvadorus, vai lá, senão aqui o rapaz não sossega. Neutraliza o guarda. Mas de forma sub-reptícia.
- Assim o farei, Menditus.
Salvdorus começa a gatinhar, por detrás dos arbustos, tentando não ser detectado. Era uma noite fria, com um luar fortíssimo, Salvadorus tinha de ter o dobro do cuidado nas suas movimentações. Gatinhou, gatinhou, e depois escondeu-se atrás de uma árvore. Aproximou-se das costas do legionário, completamente furtivo.
- Olha para ele, aquilo é poesia em movimento! – Diz Menditus.
- Tás a ver? – Geraldus dá um calduço em Plínio. – Era assim que tu devias fazer. Anda aqui um gajo a treinar-te durante meses, para nada. Sempre me disseram “Geraldus, não treines mulheres, não treines mulheres”, mas vá lá um gajo dar ouvidos a tudo o que lhe dizem não é?
- Calem-se! – Diz Gaius. – Observem bem, é agora…
Salvadorus já estava mesmo colado a ele. Toca-lhe no ombro esquerdo. O legionário volta-se mas não vê ninguém. Depois, nas suas costas, sente outro toque, desta vez no ombro direito. Volta a virar-se mas não vê nada.
- Quem… Quem é que anda aí? – Pergunta o legionário, obtendo apenas como resposta o soprar gélido do vento nocturno.
Salvadorus surge na sua frente, pregando-lhe um susto de morte.
- General Salvadorus, o que faz aqui? – O legionário estava altamente confuso.
Salvadorus não responde. Apenas cerra os olho e faz a pose do “tigre incontinente”, uma pose de luta apenas ao alcance dos predestinados.
- Ahhhhh – Todos abrem a boca, plenos de espanto e temor.
- A pose do “tigre incontinente!” – Exclama Geraldus. – Nunca pensei, em toda a minha vida, ver alguém a conseguir esta pose. É fantástica, sublime.
O legionário estava tão incrédulo quanto os restantes. Salvadorus começa a abanar os braços.
- Ah! A “paralítica assassina”! – Diz Geraldus. – Pobre legionário, até tenho pena dele.
- Que Zeus guarde a sua alma. – Diz Edgar, apontando para os céus.
Salvadorus arranca com a potência de uma quadra romana mas com a leveza de uma borboleta em direcção ao legionário, que brande uma espada na sua direcção. Salvadorus aproxima-se perto o suficiente e desfere o fatal golpe: uma leve mas bem colocada joelhada na coxa, e um toque com os nós dos dedos no braço, perto do ombro.
- Ai! – Grita o legionário, em desespero. – Paralíticas não!
- Que crueldade, mas, ao mesmo tempo, que coragem, que precisão… - Analisa Menditus.
- Isto é poesia, meus amigos. – Diz Geraldus. – Vê como o guarda se contorce como uma menina. Salvadorus é letal.
Sem se aperceberem estava a ser observados por um legionário que se encontrava dentro da guarita. Sai pelas traseiras, monta a cavalo e sai disparado junto à próxima fronteira. Sobem todos para a carroça, por entre felicitações a Salvadorus, e seguem rumo a Roma.
Ao chegarem ao próximo controlo romano, estranham o facto de não estar ninguém à vista. Venusiana desce da carroça e espreita para dentro de uma guarita, mas não se encontra lá ninguém.
- Isto é muito estranho. – Diz Gaius. – Porque é que não ouço o guarda?
- Não sei... Também não me parece nada bem. – Acrescenta Menditus.
Sem nada o fazer prever, vários guardas romanos saltam de trás dos arbustos que ladeavam a estrada. Tinham caído numa emboscada. Foram rodeados, e um dos legionários levantou a lona que os protegia. Plínio olhou bem à sua volta. Eram dez guardas, eles eram oito. Não seria difícil derrotá-los.
- Alto, guardas! – Exclama Plínio. – A quem respondem e porque nós ameaçam?
- Nós, ao contrário dos traidores, estamos debaixo das ordens do Imperador. E vocês estão condenados à morte. E têm prémios por captura. E morte.
- Ai sim? – Pergunta Geraldus. – Se eu matar o Plínio agora recebo o quê, assim mais concretamente?
- Ora bem, o Plínio, deixa cá ver, o Plínio... – O legionário vai consultando os seus pergaminhos. – Ah, cá está, “Plínio Plagius, o Gladiador”. Seiscentos sestércios.
- Seiscentos? Isso é o preço de uma PSIII. Geraldus, dá me a tua espada que mato-o eu! – Diz Menditus, ansioso.
- Então, aqui ninguém vai matar ninguém não é? – Acrescenta Gaius, tentando acalmar as coisas.
- Mas eu quero uma PSIII, oh faz favor, Geraldus, dá cá a espada.
Menditus tira a espada de Geraldus e salta na direcção de Plínio. A confusão instala-se, com os legionários a tentarem separá-los e os amigos também. Nisto, Salvadorus começa a despachar legionários. Geraldus apercebe-se e também faz o mesmo.
- Fujam, rápido! – Avisa Geraldus.
Já só faltavam três legionários, e Geraldus ia abrindo caminho para todos passarem, enquanto Salvadorus vigiava a retaguarda. A carroça arranca, e nisto surgem mais vinte legionários. Salvadorus tenta correr para a carroça mas é atingido por uma seta na perna.
- Não! – Grita Plínio. – Parem a carroça!
- Sigam! Sigam! – Grita Salvadorus. – Salvem-se!
- Temos de parar imediatamente! – Plínio estava desesperado.
- Não Plínio! – Geraldes puxa-o para trás. – O Salvadorus sacrificou-se por nós. Não estragues o seu gesto.
- Sigam! – Gritou mais uma vez Salvadorus.
Já com duas setas nas pernas, Salvadorus parou de correr, tirou as setas e voltou-se para trás. Correu eu direcção aos romanos, e durante uns segundos, foi só ver romanos a voarem para todos os lados. Mas os legionários não paravam de aparecer, e uma seta atirada pelas costas, deitou Salvadorus ao chão, inanimado.
- Não! – Plínio não continha o desespero.
No meio da estrada, como se vindo do nada, Viçosus lançou uma seta envenenada na direcção de Salvadorus, que não resistiu. Em seguida, montou o seu cavalo preto e desapareceu rapidamente.
Os legionários começavam agora a ficar no horizonte, e a última imagem que ficou queimada na retina de Plínio foi os legionários a carregarem o corpo inanimado de Salvadorus para uma carroça. Nesse momento Plínio jurou que teria o cadáver de Viçosus na mão, custe o que custar.
- Não podemos seguir para Roma. Pelo menos todos juntos e debaixo deste aparato. – Diz Vénus, a sensual esposa de Menditus.
- Sim, meu anjo, tens toda a razão, como sempre. O que sugeres?
- Eu voltava para a Lusitânia! -. Diz Geraldus.
- Tenho uma ideia melhor. – Vénus olha para Menditus. – Vamos para a Atlântida.
- Atlântida? – Perguntam Gaius e Edgar.
- Sim... – Plínio olha para o céu. – Platão sabia a sua localização. Tu também sabes Vénus?
- Como rainha das amazonas, sei muita coisa. Para além de matar e tal. Sei onde fica Atlântida, um local tão próspero que faz Roma parecer uma aldeia perdida.
A carroça fez uma alteração na marcha e seguiram em direcção ao Mediterrâneo. Aí, com a ajuda das indicações de Venusiana conseguiram encontrar a mítica Atlântida.
- Epá, isto parece-me agradável. – Observa Geraldus.
- Não parece mau... – Plínio continuava muito abatido pelo triste destino de Salvadorus.
- Não te sintas mal Plínio, nós estamos todos muito em baixo pelo Salvadorus. – Diz Edgar.
- Temos de planear qualquer coisa para podermos voltar a Roma e acabar com esta loucura.
Arranjaram um sítio para ficar. Tudo estava limpo e aquela civilização estava avançadíssima. Na suite de Menditus e Vénus, havia uma banheira de hidromassagem e o quarto tinha uma porta de correr com vidro fosco que dava para a sala. Vénus adorou.
- Menditus, se calhar não voltamos para Roma.
- Bem sei que gostas disto minha princesa, mas temos de salvar o império e o Geraldus tem de cumprir a profecia da Deus e...
Vénus vai para a banheira de hidromassagem com vista sobre o mar.
- E... Se calhar até ficamos por cá. – Diz Menditus, hipnotizado.
Entretanto, Plínio dava umas voltas com Edgar, Gaius e Geraldus. Todos eles estavam de acordo que Roma seria um local melhor se fosse construída como aquela cidade.
- Isto é deveras fantástico. – Diz Gaius.
- Nem mais, nem mais... – Acrescenta Plínio. – O nível cultural dos habitantes, as tertúlias filosóficas, o gosto pelo ambiente, a tecnologia. Esta cidade foi criada pelos Deuses.
- Tenho a certeza que a Atlântida vai durar até ao fim dos dias. Maravilhoso.
- Vocês têm toda a razão... – Intervém Geraldus. – Eh, o que é isto?
Geraldus aponta para uma espécie de ralo com uma tampa, que tinha um cartaz a dizer não mexer. Geraldus olha para o cartaz. Olha para o ralo. Olha para o cartaz. Olha para o ralo. Não resiste e puxa o ralo. Surge um jacto de água que se eleva umas centenas de metros no ar.
- Ups...- Diz Geraldus, afastando-se do local.
- Isto não pode ser boa coisa. – Diz Gaius. – Olhando para a largura do ralo e para a altura do jacto, quando a água descer vai inundar tudo, possivelmente submergir a cidade!
- Geraldus! – Gritam todos em conjunto.
Por esta altura já toda a população estava em pânico. A água começou a cair e a inundar tudo.
Menditus estava a admirar a vista, na companhia da sua curvilínea esposa, naquela magnifica banheira.
- Olha meu amor... Estar aqui contigo é tão bom que eu até estou com visões.
- Então, meu macho alfa?
- Vê lá que parece que o nível da agua está a subir e a inundar tudo...
Vénus levanta-se.
- Meu príncipe, olha que acho que está mesmo!
De repente, surge Geraldus, vindo numa onda, estatelado contra o vidro, fazendo o sinal de quem pede desculpa, e depois faz sinal para eles subirem. Entra água por todos os lados e a cidade cai, perdida para sempre, no fundo do mar.
Passado uns minutos, dão todos à costa.
- ... Gerladus! Onde estás Geraldus! – Plínio estava furioso.
- Aqui... – Diz Geraldus, enquanto cuspia água. – Bem, pelo menos não vou ter que snifar água durante uns belos meses. Estou limpo.
- Estás tu e a cidade, inteligência! – Plínio não se continha. – Então tu não leste que dizia lá não mexer?!
- Plínio, Plínio, é nestas alturas que eu vejo que falhei como professor. Repara, as cidades são como as mulheres. Elas também dizem sempre para tu não mexeres, mas tu paras? Claro que não. Mexes outra vez. Até levares um estalo, não quer dizer sim. Considera isto como um estalo da Atlântida.
- ... Eu nem comento!
- Eu não sei quanto a vocês. Mas eu estou farto disto. – Diz Menditus. – Vamos para um lado, vamos para o outro, é só aventuras. Eu gostava de assentar.
Todos acenaram com a cabeça. Apesar de já não contarem com a preciosa ajuda de Salvadorus, estava na hora de resolver os assuntos. De uma vez por todas. Próxima paragem, Roma.

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