XXVIII - Litem Ne Quaere Cum Licet Fugere

Um sentimento de consternação invadiu todos os presentes na sala. Tudo indicava para que Plínio tivesse sido assassinado. Até o pedaço de seitan que ele transportava na sua sachola estava abandonado no chão da livraria. A altura era de luto, e um silêncio do tamanho do mundo enchia a biblioteca.
Do outro lado de Roma, nos seus aposentos reais, César ria de felicidade.
- Então tu mataste mesmo o Plínio, Gominhos?
- Matei, César, como haveis ordenado.
- Excelente, excelente... Agora só falta tratar dos outros traidores. Deixaste pistas?
- Nada, César.
- Óptimo. Viçoso... Aproxima-te.
E do nada, como se saindo da sombra, aparece Viçoso, para saber dos desejos de César.
- Sim, meu Imperador.
- Existem duas minhocas na maçã da minha governação. Trata das duas... Aqui o Juristus ajuda-te na parte burocrática.
- Assim o farei, Imperador.
- E tu, Gominhos, luta hoje no Coliseu. Tenho uma surpresa para ti. Acho que a mereceste.
- Obrigado, oh César.
Seguiu cada um o seu caminho, enquanto César se vangloriava de ter eliminado a oposição. César não tinha conseguido perceber os planos deles, mas algo que envolvesse uma possível perca de poder ou tentativa de assassinato teria de ser cortada pela raiz. E assim foi.
Na biblioteca, Menditus ia arrumando algumas coisas com a ajuda de Salvadorus. Estes eram tempos difíceis. As negociações com algumas editoras tinham chegado a um impasse, e havia muitas devoluções para fazer, o que sem o Plínio era muito complicado. Toda a gente sabia que ele era o rei da devolução, o mestre do livro perdido, o herói das listagens impossíveis. Muitas vezes quando Plínio estava a devolver, o resto da equipa ficava apenas a observá-lo, boquiabertos. De repente, e sem nada o fazer prever, Geraldus entra na biblioteca, bate com a porta e começa a colocar caixas a tapar a entrada.
- Geraldus, o que raio...
- Calem-se, calem-se todos! Ele vem aí!
- Ele quem? – Pergunta Menditus.
- O Minotauro!
- Qual Minotauro? – Inquire Salvadorus.
- O ex-namorado daquela alucinada com quem eu saí!
- Então mas tu não tinhas dito que não saías mais com ela?
- Tinha. Mas dei-lhe uma segunda oportunidade.
- Então?
- Oh, fui dar um passeio ali pela zona dos banhos, mas depois ela ficou cada vez mais estranha. E já vi que aquilo é muito atrofio para uma pessoa só.
- Já vi que sim...
- Até que vou levá-la a casa, e ela vê a carroça do Minotauro e diz para eu me esconder senão ele partia-nos a boca aos dois!
- A sério?! – Pergunta Menditus. – Que atrofio.
- E depois começa a dizer que tem de ir ter com ele para ele não se chatear e mais não sei quê. E eu fugi a toda a velocidade.
- E ele perseguiu-te?
- Não sei. Não vi.
- Então porquê este drama todo? Estás a desarrumar tudo!
- E se ele veio?
- Se ele vier, está ali o Salvadorus. Olha bem para aquele espécimen da raça masculina. Achas que alguém se mete com ele? Nem pensar.
- Agora é que estás a falar bem Menditus. – Diz Salvadorus, adoptando uma pose imponente.
A conversa é interrompida por um bater seco e repetido na porta.
- É o gajo! Escondam-me! Escondam-me!
- Vou lá ver quem é, tem lá calma. – Menditus espreita pelo buraco da porta e vê a guarda romana. – A guarda romana? O que é que se passa?
Menditus abre a porta e os guardas empurram-no para cima das caixas.
- Salvadorus! – Grita o primeiro guarda. – Estás preso pela morte de Plínio Plagius, o Gladiador.
- Eu?! Mas eu estava com eles e...
Salvadorus e atingido por uma pancada forte e perde o equilíbrio. Os outros dois guardas acorrentam-no e levam-no para fora da biblioteca. Geraldus foi ver do estado de Menditus, que dispensou a ajuda e deu dois pontapés nas caixas.
- O que é que se está a passar?! Estamos a perder o controlo de tudo!
- Calma Menditus. – Diz a sua esposa.
- Calma? Calma?! O Plínio está morto, o Salvadorus está preso, o que é que vem a seguir?
- Tem calma, meu macho alfa, tu como líder saberás organizar o teu grupo e salvar tudo.
- Eu sei lá...
- Ela tem razão, Menditus. – Diz Geraldus. – Vou ter com o Juristus, eu sei que ele almoça por esta altura e vou tentar com que soltem o Salvadorus. Depois vou tentar falar com a Deusa Diana, porque isto não está nada a correr como o previsto!
- Nada mesmo! – Grita Menditus, enquanto pontapeia mais umas caixas.
Geraldus seguiu para o local onde Juristus costumava merendar, mas este não estava lá. Perguntou por ele e indicaram-lhe para subir, porque Juristus estaria no segundo andar.
Ao chegar lá, viu uma pessoa sentada de costas para a porta.
- Então Juristus? Tudo bem? Como é que é, andas aí na janela a ver umas gajas não é?
Sem dar uma resposta, o vulto vira-se e Geraldus fica estarrecido. Era Viçosus.
- Viçosus... Onde está o Juristus?
- Preso.
- Preso?! Porquê?
- Porque não há estatuto.
- Estatuto de quê? Ele nem estuda.
- Não há estatuto. E tu não irás sair daqui. Isto está cheio de guardas.
- Porque é que me queres prender?
- Porque não tens estatuto.
- Não tenho?
- Não tens. E não há estatuto.
- Mas eu já não estudo.
- Não há estatuto.
- Eu não falo com pessoas que só dizem duas palavras.
Geraldus tira a espada e tenta atingir Viçosus, mas é interceptado por dois guardas. Dá-se uma luta intensa e demorada. Geraldus começava a ficar encostado a um canto, pois o número de guardas não parava de aumentar. Viçosus mandou os guardas pararem e olhou nos seus olhos.
- Adeus... Matem-no.
- Matamo-lo? – Pergunta um guarda. – Mas César disse para prendê-lo!
- Não... Matem-no.
- Mas porquê? – Pergunta outro guarda.
- Porque ele não tem estatuto.
- Lá está ele o e o estatuto. – Diz Geraldus. – Por favor, matem-me que eu já não aguento mais!
Subitamente um enorme barulho de vidros a partirem enche a sala. Vidros e poeira caem em cima dos guardas, bloqueando-lhes momentaneamente a vista. Quando a poeira assenta lá estava ele, com a sua máscara de urso, Gominhos.
- Que fazes aqui? César mandou-te combater. – Diz Viçosus.
Gominhos não respondeu, atirando um xizas para Geraldus, a sua arma preferida, começam a eliminar os guardas um a um. Viçosus tenta fugir para alertar o Imperador mas Geraldus encurralou-o no corredor. Seguiu-se uma violenta luta e no fim estava Viçosus de joelhos, aos pés de Geraldus, implorando pela vida.
- Dá-me uma boa razão para não te matar, asqueroso... – Diz Geraldus, enquanto encostava o xizas ao pescoço de Viçosus.
- Porque não há estatuto?
- ... Assim seja.
Geraldus eleva o xizas no ar e perfura o pescoço de Viçosus, que fica no chão a contorcer-se, enquanto um liquido verde acastanhado lhe sai do pescoço. Geraldus larga o xizas e volta-se para agradecer a quem o ajudou, mas essa pessoa já não se encontrava lá. Ao sair, deu de caras com Juristus, que tinha sido aprisionado na base do edifício.
- Geraldus, o que é que se passou?
- Sei lá, fizeram me uma emboscada. Fui salvo por aquele gajo misterioso, o Gominhos. O que é que te fizeram?
- Disseram-me que tinham umas gajas na cave e eu fui ver. Sabes como é, gajas...
- Pois, estes guardas jogam sujo, então dizer a um homem que havia gajas. È de muito mau tom.
- Nem mais.
- Mas como é que saíste?
- Comecei a versar sobre a personalidade jurídica de um feto às 2 semanas. E eles acabaram por se suicidar.
- Vamos embora, vamos chamar o Menditus e vamos ao Coliseu, a ver-se conseguimos soltar o Salvadorus.
Foram ter com Menditus e seguiram para o Coliseu. Os combates já decorriam à algum tempo, e estava quase na hora de Gominhos lutar. O público aplaudia de pé e pedia a sua presença na arena e César, aproveitando as boas graças, ia guardar o combate para o fim. Sentado na sua cadeira imperial, César recebeu um toque nas costas. Era Viçosus.
- César... – Diz Viçosus, cuspindo sangue.
- Por César! Quero dizer, por mim! O que é que se passou contigo?
- O Geraldus escapou, o Juristus também...
- Maldição! Mas como, estava tudo bem planeado!
- Gominhos...
- Gominhos?
- Ele apareceu lá e salvou-os...
César engole e seco e, ao voltar-se para a bancada, vê a chegada de Juristus, Menditus, a sua esposa Vénus, Geraldus, Edgar e Gaius. César bate na mesa e vira-a ao contrário.
- Este Gominhos vai pagar-mas! Apresentador!
- Sim, César...
- É isto que vais fazer!
E o Imperador começa a dar um plano detalhadíssimo e aparentemente infalível, para ser executado de imediato. Quase de seguida, vários guardas cercam Menditus e os seus companheiros, levando-os para o calabouço onde estava Salvadorus.
- Raios! – Grita Menditus.
- E agora, o que fazemos? – Pergunta Geraldus.
- Não sei, mas temos de sair daqui.- Diz Juristus. – Como é que o Viçosus sobreviveu?!
- Não sei mesmo... – Responde Geraldus.
- Ouçam... – Diz Salvadorus. – O apresentador está a anunciar o próximo combate.
Lá fora, nas bancadas, a população estava ao rubro.
- E agora! – Grita o anunciador. – O combate da noite... O que vocês estavam à espera: Gominhos! Sem armas, sem escudo, acorrentado, descalço, de olhos vendados! Contra vinte elementos da guarda de César!
O público vaia violentamente. César dá ordem para o combate começar e surge Gominhos, tal e qual como o apresentador tinha anunciado.
- Temos de ajudá-lo! – Grita Geraldus. – Ele salvou a minha vida!
- E a minha também. – Diz Juristus.
- Temos mesmo que sair daqui. – Diz Salvadorus. – Já não como à umas horas, estava mesmo a apetecer-me um geladinho!
- Mas como é que vamos sair daqui? – Pergunta Gaius.
- Edgar, - Diz Menditus. – Não podes fazer uma daquela tuas magias “oh si cariño” e mais não sei quê?
- Não tenho ingredientes, Menditus.
- Raios partam.
Geraldus encosta a cabeça à grade e vê uma das amantes de César a passar. Volta a cara para dentro da sela e vê a mulher de Menditus a massajar-lhe o pescoço.
- A não ser que...
- O quê? – Pergunta Juristus.
- Fazias o quê ao Menditus? – Grita Geraldus, olhando para a esposa ao Menditus. – Oh Vénus, ela está aqui a dizer que comia o Menditus todito, que por ele até aprendia a ler!
- O quê? – Pergunta a amante de César.
- E mais! Xi, Vénus, ele diz que o Menditus está mal casado, e que vai pedir ao César para ele ser escravo dela, para ele ser o macho alfa dela!
A esposa de Menditus levanta-se e anda sensualmente, como é seu hábito, através da sela e pergunta, calmamente:
- O que é que disseste?
- Ela disse mesmo aquilo tudo. E chamou-te gorda.
- Uhhhhhhh. – Dizem todos.
- Geraldus, não faças isso. Pára Geraldus. – Diz Menditus. – Não sabes o que estás a fazer.
- Vénus, ela diz que já beijou o Menditus...
Vénus arranca as grades e corre em direcção à amante de César-
- Vamos agora. – Grita Salvadorus.
Entrentanto, Vénus já tinha agarrado a amante de César e pendurado-a no tecto com umas correntes.
- Vamos, minha sensual e mortífera esposa! – Diz Menditus.
- Vai andando meu amor, deixa-me divertir-me aqui um bocadinho com ela. Eu já vos apanho.
Ao subirem a rampa para o Coliseu ainda conseguiam ouvir os gritos de dor e sofrimento da pobre. Quando conseguem perceber o que se passa na arena, vêem Gominhos atado, completamente ensanguentado, enquanto era espancado violentamente pelos guardas de César, para gáudio deste.
- Vamos! – Salvadorus distribui espadas por todos, que começam a dividir os guardas e em grupos mais pequenos.
Finalmente conseguem que os guardas larguem Gominhos. Geraldus aproxima-se dele com uma espada extra.
- Consegues lutar?!
- Acho que sim... – Diz Gominhos, enquanto limpa um bocado de sangue do peito.
- Esse peito está mau! Achas que consegues? Por isso é que o Plínio, com aqueles pelos todos, não sofria muito...
Gominhos pegou na espada, levantou-se e começou a lutar, para a loucura do povo. César estava furioso.
- O que é que se está a passar! Mais guardas, vão, vão! E soltem os animais.
Lá em baixo eles iam despachando os oponentes um por um, até ao último cair redondo, no meio da arena. O público explode de contentamento, até César os mandar calar.
- Silêncio! Silêncio. Tu! Tu1 – Diz César, apontando para Gominhos. – Quem és tu para me desafiar? Quem és tu para desafiar um imperador? Quem és tu para desafiar um Deus?
Gominhos tira a máscara.
- Sou um Gladiador.
Era Plínio Plagius. O público não o conheceu de imediato. Tinha feito a barba e rapado o corpo, mas depois de alguns segundos já toda a gente gritava o seu nome, como nunca antes tinham feito.
Geraldus e os restantes companheiros correram a abraçá-lo e a ajudá-lo, pois ele estava bastante ferido. Saíram da arena, Menditus trouxe a sua esposa, que ainda queria brincar um bocadinho mais com a rameira, e abandonaram o Coliseu pelas traseiras, rumo à casa de campo de Geraldus.
Não sabiam o que se iria passar agora. Mas sabiam que não podiam voltar tão cedo a Roma. Pelo menos sozinhos... Pouco interessava, pois Plínio estava vivo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Menditus, Mto bem... Além de um bom enrredo, agora vejo tmb que a historia tem partes eroticas de qualidade...lol
Passo a Citar:"Saíram da arena, Menditus trouxe a sua esposa, que ainda queria brincar um bocadinho mais com a rameira"
"Vai andando meu amor, deixa-me divertir-me aqui um bocadinho com ela. Eu já vos apanho."