XXIX - Persona Non Grata

Não tendo condições para continuar em Roma, Plínio e os seus companheiros tiveram de fugir. Desde cedo a Lusitânia, um cantinho de terreno com vista para o Atlântico, pareceu a melhor alternativa. Afinal de contas, Plínio já lá tinha estado e o local tinha-lhe agradado bastante.
Chegados à Lusitânia trataram de instalar-se. Menditus estava abalado por não ter a sua biblioteca, e Plínio e Geraldus também andavam deprimidos por não poderem ir ao Coliseu. A estada na Lusitânia ainda iria durar algum tempo, não podiam correr o risco de voltar a Roma quando ainda tinham as suas cabeças a prémio. Cada um tentava arranjar distracções adequadas.
- Pois é Menditus, - Diz Geraldus. – Isto aqui não se faz nada.
- É verdade… Não fosse a companhia da minha curvilínea esposa isto seria bem mau. É que, parecendo que não, o facto de eu chegar a casa e ela estar nos banhos, desnuda, dá sempre para…
- Já percebi, já percebi. Já chega, Menditus.
- Pois…
- Acho que vou comprar uma PSIII.
- O quê?
- Uma PSIII. Porque não? São seiscentos sestércios, mas eu também não gasto dinheiro em nada…
- Não podes.
- Porquê?
- Porque se eu não tenho uma, tu também não podes ter!
- Não estás a ser um bocado infantil? – Pergunta Geraldus, perplexo.
- Quem diz é quem é! – Responde Menditus, enquanto cruza os braços.
- …
- Não podes, Geraldus. Se eu não tenho também não podes, além disso, a minha PSII estragou-se. Portanto, nem penses.
- …
Geraldus levantou-se e foi ter com Plínio, que conversava com Edgar, enquanto este praticava uns feitiços.
- Então, Geraldus, que fazes? – Pergunta Plínio.
- Nada de mais… E vocês?
- Estamos a falar da nossa adolescência… - Responde Edgar.
- Ena pá… A adolescência… Uma vez estava a praticar desporto e entrei numa discussão com o meu adversário. A última coisa que me lembro foi de estar a discutir com ele. Deu-me me uma branca, e quando dei por mim, estava em cima dele a torcer o pescoço, ele estava todo azul, quase morto.
- …
- É verdade, estão a gozar, mas é verdade… Tiveram que tirar-me de cima dele.
- Hoje em dia passa-se basicamente o mesmo.
- Como assim? – Pergunta Geraldus.
- É normal ouvir homens a gritar: “Tirem o Geraldus de cima de mim! Porque é que ele está nu?!” – Diz Plínio, enquanto riem os dois.
- Ah.. Ah… - Retorque Geraldus. – Muito engraçadinhos.
- E as idas ao poste? – Inquire Edgar.
- Brutal… - Responde Plínio.
- Uma vez quiseram levar-me ao poste… - Interrompe Geraldus.
- Oh não… - dizem os dois.
- E eu podia ir ao poste… Mas enchia toda a gente de porrada. Uma vez um grandalhão pegou-me por trás…
- Lá está, as tuas histórias envolvem-se sempre tu em posições dúbias com outros homens. – Diz Plínio, entre risos.
- Ri-te, ri-te, queria ver se fosses tu. De qualquer forma, ele agarrou-me e mandou um miudinho bater-me. Eu não disse nada, só olhava para ele enquanto ele me batia. Ele pedia desculpa e dizia que tinha sido o outro a mandar.
- E depois?
- Depois um dia, apanhei-o a caminho da academia e mandei-o a ele e à sua carroça para as silvas. E depois fugi!
- E apanharam-te?
- Não. Andei escondido.
- Durante quanto tempo? – Pergunta Edgar.
- Até hoje. Se virem aí um gajo com uns espinhos na testa avisem. Só por precaução.
Plínio levantou-se e foi ter ao centro da vila, onde tinha combinado encontrar-se com o seu velho amigo Jesus Cristo.
- JC, bons olhos te vejam!
- Grande Plínio, como vais?
- Bem, mas…
- Já sei, não há nada para fazer.
- Porque é que me perguntas as coisas se és omnisciente?
- Olha, ai está uma coisa que eu não sei! – Diz Jesus Cristo, dando uma palmada nas costas de Plínio.
- Valha-me Deus. – Diz Plínio, enquanto tosse.
- Não digas o nome do Senhor em vão. – Diz Jesus, debaixo de uma enorme trovoada.
- Desculpa! – Diz Plínio ajoelhado, mal se conseguindo ouvir por causa dos trovões.
Os trovões param, e quando Plínio abre os olhos vê Jesus a olhar para céu, enquanto aponta para ele e ri.
- Estás a ver Pai?! – Perguinta Jesus. – Ele cai sempre!
- Conta-me Jesus, como está Sócrates no céu?
- Está bem, montou uma barbearia, é responsável pela barba do Moisés e do Noé.
- Nada mau.
- Está a safar-se bem, sim.
. Então e o que é que se pode fazer para nos entretermos aqui?
- Podíamos jogar às escondidas! – Diz Jesus. – Vá eu conto até dez e tu escondes-te.
- Hmmm… Está bem.
- !... 2…. – Jesus conta lentamente.
Plínio vê uma carroça e esconde-se debaixo dela.
- Aqui estou muito bem.
- 10! Aí vou eu.
- Ele aqui nunca me apanhará e… - Plínio assusta-se ao ver Jesus ao lado dele. – Ah!
- Que má escolha, oh Plínio.
- È assim, jogar com um Deus omnipresente não dá. Vamos fazer outra coisa.
- Fogo Plínio, já na primária era a mesma coisa…
- Então, Jesus?
- Ninguém queria brincar comigo… Ou porque sabia tudo, ou porque estava em todo o lado, ou também porque andava em cima da água…
- Mas eles deviam gostar de ti, Jesus.
- Gostavam…
- Estás a ver?
- … Na hora do lanche! “Ah Jesus, anda cá, multiplica o pão c’a gente tá com fome!”.
- Não era fácil ser especial…
- Nada mesmo…
Plínio e Jesus foram andando pela vila, falando amenamente. Do outro lado da vila, Menditus encontrou-se com Salvadorus, que iria guardar a casa onde se encontravam.
- Menditus, Menditus, onde é que vais? – Pergunta Salvadorus.
- Vou dar um passeio com a minha sensual esposa pelo campo…
- Menditus, Menditus! Não vás longe!
- Porquê?
- Porque eu fico nervoso e fico mal disposto e depois não aguento! E não posso abandonar o posto.
- Não podes não…
- Quando está cá alguém eu aguento o tempo que for preciso, mas assim que se vai alguém embora eu fico mal da tripa! Oh Menditus, se eu gritar vem a correr.
- Está descansado…
Menditus partiu com a sua esposa e Salvadorus ficou sozinho a guardar a casa.
A noite chegou rapidamente, e depois do jantar, quando todos dormiam, Salvadorus ficou no seu posto, atento a tudo o que se passava. Tinha os sentidos apuradíssimos, era quase um lobo em forma humana. Não teve assim qualquer dificuldade em ouvir um grito vindo das traseiras. Acorreu rapidamente ao local e viu uma donzela ser atacada às mãos do que parecia ser um centurião romano. Salvadorus, um mestre em combate corpo a corpo, desarmou o centurião e acabou com ele em três tempos. A donzela ficou maravilhada.
- Oh, meu herói. – Diz a donzela, derretida.
- Isto não foi nada…
- Foste tão rápido.
- Novamente, isto não foi nada. Devia ver-me a comer um gelado.
- Hm?
- Nada, nada. Bom. Vou andando que tenho de guardar a casa.
- Mas nós precisamos de si!
- De mim? Quem precisa de mim?
- Os lusitanos.
- Os lusitanos?
- Sim, precisamos de um líder, assim alguém robusto e inteligente.
- Ah, então isso sou eu, pois. Mas, porque precisam de mim?
- Porque os romanos estão a encurralar-nos… Estamos quase dizimados!
- Então e o vosso líder, Viriato?
- Viriato já não é o que era… Ele agora queixa-se por tudo e por nada… Mas se tu estivesses do lado dele…
- Hm…
- Ele precisa de alguém novo e forte… E bonito… Do seu lado!
- Penso que sou o homem ideal para o trabalho. Está bem mulher, podes dizer ao teu povo que conte comigo!
E lá foi a mulher a correr dar as boas novas ao seu povo.
Pela manhã, Plínio rendeu Salvadorus no seu posto e este aproveitou para se deslocar ao povoado dos lusitanos.
Mas chegou ao local, reconheceu a donzela da noite anterior que, com a luz do Sol, demonstrava um farto buço e um generoso traseiro.
- Anda, vem comigo, eu levo-te até ao Viriato.
Salvadorus acenou com a cabeça e seguiu atrás da donzela pelo meio da aldeia. Entrou numa cabana escura e lá estava ele, num trono de barro, Viriato.
- Então és tu que vens ajudar? – Pergunta Viriato com a voz rouca.
- Sim.. Foi a mim, Salvadorus, que pediram ajuda.
- E o que tens em mente?
- Ora bem, eu queria alterar ali a disposição de algumas casas e…
- Ninguém altera nada! – Grita Viriato.- Nada!
- Mas era só as primeiras, para tornar mais sólida a primeira linha de defesa…
- Nas primeiras ninguém toca! A primeira, porque é a primeira. A segunda, porque é a segunda. E a terceira porque é a terceira!
- Compreendo Viriato, mas podíamos improvisar e…
- Ninguém vai improvisar nada! Nada!
- Mas eu só queria ajudar, e eu vi ali outra aldeia com uma configuração assim.
- Mas isso foram aldeias construídas de raiz! Nós somos um povoado antigo, não se altera nada.
- ...
Salvadorus abandonou a tenda, chateado.
- Assim não dá para trabalhar...
- Não ligues ao velho Viriato. – Diz a donzela.
- Isso é fácil dizer...
- Anda, vem comigo, que vou ensinar-te o mecanismo de abertura do portão grande.
Enquanto a donzela estava a ensinar Salvadorus como fechar o portão em caso de emergência, surge Viriato, pouco satisfeito com o que estava a ver.
- Eh! Eh! Mas o que é que passa aqui? – Brame Viriato.
- Chefe Viriato! Estava só a ensinar ao Salvadorus como fechar a ponte... Responde a donzela.
- Não é qualquer pessoa que faz isso! Isso não é para qualquer um! Vamos lá ver!
-... Eu vou mas é embora que ele ainda me bate! – Diz Salvadorus, saindo da aldeia.
- Eu imploro-te! – Diz a donzela. – Fica! Precisamos da tua ajuda. A invasão dos romanos está próxima. Precisamos de ti, oh líder.
- Sendo assim... Vou reunir os meus companheiros e já volto.
Salvadorus foi até à vila e explicou o caso aos seus amigos, que acederam ajudar. Para causar embaraços aos romanos estavam lá eles. Foram então todos juntos, para a aldeia. Chegados à aldeia, Salvadorus foi apresentando toda a gente aos locais. A donzela aproximou-se de Salvadorus para lhe agradecer.
- Obrigado Salvadorus.
- De nada, não fiz nada que outro magnificente herói não fizesse.
- Salvadorus, agora preciso que venha comigo e me ajude a fechar o portão.
Salvadorus ficou parado durante largos momentos, como se hipnotizado.
- Salvadorus, - Diz Edgar. – Ela pediu para ajudares a fechar o portão, não para ficares hipnotizado pelo decote dela.
- Ma... Mamas... Mas eu não posso mexer no portão...
- Podes... – Diz a donzela, enquanto exibe o decote.
- Posso... Posso...
- Claro que podes...
- Então vamos.
Olharam uns para os outros e encolheram os ombros. Foram dar uma volta pela aldeia, tinham de estudar bem a situação e ver com quem podiam contar para o combate. Os romanos tinham prometido vir amanhã queimar tudo. Tinham de estar preparados.

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