XXV - Coram Populo

Hoje era o dia do primeiro combate de Plínio no Coliseu. O Gladiador estava bastante nervoso, pois sabia que Roma inteira, incluindo os seus amigos e o próprio Imperador, estaria a observar atentamente. Afinal de contas, não era todos os dias que um aprendiz da velha glória Menino pisava a amarelada arena do Coliseu. Plínio encontrou-se com Geraldus nos corredores internos do Coliseu, minutos antes de entrar.
- Então Plínio, como é que te sentes?
- Um bocado nervoso…
- Então, os outros lutadores estão a chatear te muito?
- Não, quer dizer, mais ou menos…
- Então?
- Oh… Primeiro passou por aqui um que perguntou ao treinador se hoje era dia de introduzirem ursos nos combates…
- Sim…
- E depois foi outro, aquele, como é se que se chama, o Maximus!
- Sim, o que é que o Maximus fez?
- Andava para aí com uns objectos de metal cinzentos e pretos, e andava sempre a gritar Acção! E Corta! E mandou-me desviar porque, segundo ele, estava a estragar o plano.
- Nunca percebi bem esse Maximus..: Enfim, não ligues Plínio. O importante é que vais ter a tua estreia no Coliseu e vais brilhar!
- Não sei, já estive mais confiante…
- Vais ver que tudo vai correr bem… Basta seres tu mesmo.
Quando Geraldus acabou de proferir as suas sábias palavras, a porta do Coliseu abriu-se e os Gladiadores correram todos para a arena, enquanto Geraldus foi calmamente para o seu lugar. Plínio correu para a arena, e assim que o Sol parou de o encadear, ele conseguiu ver a enorme massa de gente que enchia na totalidade as bancadas do Coliseu. O público aplaudiu fervorosamente, e só parou quando o apresentador pediu silêncio. César ergueu-se e os Gladiadores alinharam-se.
- Ave César! Morituri te salutant!
Desta vez Plínio acertou nas palavras.
- Vá lá, - Diz Geraldus. – Desta vez lembrou-se. Bom, menos mau. Agora, dêem-me so um segundo que vou buscar um lanchinho.
- Mas já não tens aí comida? – Pergunta Menditus.
- Tenho, mas não sei o que é…
- Não sabes? Mas não foste tu que arranjaste?
- Foi a minha mãe.
- Ah.
- Bem, até já.
César, voltado para os Gladiadores, acenou para o público.
- Gladiadores… Estão aqui para morr… Perdão, para lutar e serem mort… Serem glorificados neste cemité… Perdão, neste local mítico onde vários Gladiadores já morre… Já conquistaram este público. Portanto, Gladiadores… Que Zeus esteja convosco.
Plínio não conseguiu evitar uma gargalhada.
- De que é que te ris? – Pergunta o Gladiador que estava ao seu lado.
- Nada, nada, eu e o Zeus já nos conhecemos. Ele não está nada connosco. Mas a intenção até foi boa.
Geraldus já tinha voltado ao seu lugar e já tinha acabado de comer.
- Olha lá, como é que tu comeste isso tudo em tão pouco tempo? – Pergunta Edgar.
- Estes Bigstickus, paus de chocolate de 25cm? Comem-se num abrir e fechar de olhos.
- Isso não te pode fazer bem… - Acrescenta Menditus.
- Epá, não sei se é de estares aí feita bruxa a agoirar, mas é verdade que me estou a sentir muito mal.. Vou ali aos banhos aliviar-me, já volto.
Menditus olha para a sua curvilínea e sensual esposa e encolhe os ombros. César, entretanto, continuava o seu discurso.
- E queria, em jeito de homenagem, pedir uma grande, aliás, uma enorme, salva de palmas para um grande herói passado do Coliseu… Ele lutou, ele cortou cabeças, ele usou cremes, ele plantou relva, ele marcou sem dúvida uma era do Coliseu. Quero ouvir essas palmas para o grande… Menino Geraldus! – César aponta para o local onde Geraldus estava sentado, debaixo de uma grande ovação do público que, ao reparar que ele não estava, pára de bater palmas.
- Onde está o Menino? – Inquire César, furioso.
- Ele, er… Foi à casa de banho… Problemas da tripa.. – Responde Gaius.
- Ah! – Exclama César, satisfeito. – É o Menino que todos conhecemos! Bom, vamos lá começar isto que já está a ficar fresquinho. Ora bem, então vamos ter, logo para abrir o discípulo do Menino contra, deixa cá ver, dois escravos, um urso e uma abelha!
- Ai! – Grita Geraldus.
- É demasiado injusto! – Diz Menditus.
- Não é isso. É que ele tem medo de abelhas. Mas de resto tudo bem. Vá Plínio, faz-te homem. Não, espera, isso é pedir muito. Luta! Luta, caraças!
E Plínio assim o fez. Para gáudio dos espectadores, lutou e apesar da desvantagem numérica e de uma ferroada no traseiro, saiu vencedor. César ficou impressionado e ao mesmo tempo preocupado. Nunca vira alguém cair tão rapidamente nas graças do exigente público do Coliseu. Tudo bem que aquele ar de urso de peluche podia ajudar, mas mesmo assim iria estar atento.
Plínio seguiu depois para a bancada, para ver o resto dos combates junto dos amigos.
- Então? Como é que estás? Senta aqui para falarmos! – Diz Menditus.
- Epá, eu até me sentava, mas aquele ferroada na nalga deu cabo de mim. Olha o Cipião!
- Então Plínio, vejo que cumpriste o que prometeste! E eu também cumprirei, assim que tiveres a tua grande vila, trarei o teu leão!
- Mas… - Interrompe Geraldus – Deixaste o leão sozinho em casa?
- Sim, porquê? – Pergunta Cipião confuso.
- Os meus pais nunca me deixaram sozinhos em casa. Só a partir dos 14 anos. E mesmo assim era contra a minha vontade. Uma vez, deixaram-me sozinho em casa e eu parti o vidro do meu quarto.
- Mas… - Cipião estranha as palavras de Geraldus.
- Cipião, a sério, não vale a pena insistir. Ele é mesmo assim. – Interrompe Menditus.
- E uma vez, os meus pais levaram-me ao dentista! – Diz Geraldus, emocionado.
- Oh não… - Dizem todos em uníssono.
- E eu fugi! – Continuou Geraldus. – Estudei o caminho e as saídas e corri durante quatro quilómetros! Só me apanharam em casa da minha avó.
- Fascinante! – Exclama Cipião.
- Sim, deveras… - Acrescenta Plínio. – Cipião, diz-me, Jesus não veio contigo?
- Epá, já me esquecia. Não o deixaram entrar por causa da cruz. Sabes como são os Romanos.
- Depois já vou lá abaixo dar-lhe aquele abraço. Ah, Geraldus, fomos convidados para uma recepção em casa do Imperador. Temos de estar lá antes do anoitecer.
- Tal como profetizado.
- Tu ainda me vais explicar isso da Deusa, Geraldus. – Diz Plínio, já com os amigos À distância.
- Explico-te no caminho.
Fizeram-se à estrada, e Geraldus contou a Plínio o que a Deusa tinha profetizado para si. Plínio ficou estarrecido.
- E então dizes-me que é suposto encontrar um aliado para essa demanda inacreditável aqui na recepção? Mas isso é de loucos! – Brame Plínio, assustado.
- É, não é? Eu bem que te disse que não era fácil…
- Então mas quem é que poderá ser?
- Não faço a mínima ideia, mas a Deusa diz que o vou reconhecer facilmente.
Entraram na festa e misturaram-se com os presentes. Iam comendo uns croquetes e umas bifanas para passar o tempo. Eles não gostavam muito destas ocasiões. Era na arena que se sentiam à vontade. E esse desconforto ainda subia mais de tom quando César se aproximava deles.
- Plínio, devo dizer que fiquei impressionado.
- Obrigado.
- Vejo que tens futuro…
- Obrigado.
- Ah, já que aqui estão, quero apresentar-vos ao meu Centurião mais importante, Salvadorus. Salvadorus! Vem cá!
- Sim, Imperador.
- Quero que conheças aqui o Menino e o Plínio.
- Muito prazer.
Quando Geraldus e Salvadorus apertaram a mão, o olhar deles entrelaçou-se e Geraldus sentiu que Salvadorus era o tal que a Deusa tinha anunciado. E mais, percebeu que Salvadorus tinha sentido o mesmo. Geraldus ficou espantado, pois não pensava que o seu contacto seria alguém assim tão robusto e altivo, mas a Deusa é que sabia.
- Salvadorus, mostra ali ao Geraldus os troféus que temos para este ano, quero dar uma palavra ao Plínio.
Salvadorus e Geraldus agradeceram a oportunidade e juntaram-se para afinar agulhas quanto às suas actuações. Já César tinha muito para falar com Plínio.
- Diz-me, Plínio... O que fazes da vida?
- Sou Gladiador. Mas isso já sabe. E sou filósofo. E toco um instrumento musical. E sou livreiro. E… Caraças! Esqueci-me da fundação do Zeus!
- Qual fundação?
- Nada, nada.
- Então, és livreiro?
- Sim
- E gostas de ser?
- Tem dias.
- Sabes, eu já tive uma livraria. Gostava de visitar a tua.
- Claro, está à vontade, Imperador!
- Ah, cá estão os dois guerreiros… Salvadorus, prepara a minha carruagem, tenho que visitar a livraria do Plínio.
- Mas, Imperador, a sua presença foi requisitada pelo Senado!
- Esses libertinos! Mas o que é que eles querem?
- Não sei, Imperador. – Diz Salvadorus, amedrontado. – Mas sei que pediram urgência.
- Urgência?! – Exclama César, furioso. – Aqui não há urgências! O que é isso, urgências?!
- Mas eu só disse o que eles disseram e…
- Quais urgências? Aqui não há urgências! Tudo é urgente aqui! Onde é que estão as urgências?!
- Pronto, iremos para a biblioteca do Plínio…
- Assim está melhor. – Diz César, já mais calmo.
Seguiram todos, na carruagem imperial de César, rumo à biblioteca de Menditus. Assim que chegaram, César observou cuidadosamente a biblioteca.
- Este chão… - Diz César, enquanto caminhava por entre as estantes. – Não está em condições! E esta iluminação, fere-me os olhos reais! E o que são estas quantidades desproporcionadas? Só assim a olho tirava já trinta por cento dos livros. E há muita madeira, isto tem um ar antiquado. Quem é que é responsável por isto?
- É o Menditus. – Responde Plínio.
- E onde está, esse Menditus de que me falas?
- Acho que está nos seus aposentos, com a sua esposa. Ele não consegue resistir aos seus encantos de diva exótica das Amazonas.
- É assim, vais pegar num pergaminho e vais enviá-lo para esse tal de Menditus, com conhecimento para mim as alterações a fazer na biblioteca!
- Mas…
- Mas nada! Eu sou o Imperador, portanto, tem que ser feito.
- E nem sabe, senhor Imperador – Diz Geraldus. – o Menditus foi aumento trinta sestércios pela associação de bibliotecários! E eu quase nada!
- Mas, tu trabalhas aqui? – Pergunta César.
- Mais ou menos…
- Eu vou-me embora. Vemo-nos no Coliseu. E quero isto mudado da próxima vez que cá vier. Salvadorus, vamos.
Salvadorus foi com César, mas já tinha combinado voltar durante a noite, para, com Geraldus e os seus amigos, começarem a planear o seu destino. O destino de Roma. O destino de um império…

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