XXVI - Concilium Fraudis

Tal como tinha ficado combinado, Salvadorus apareceu na Livraria de Menditus, à revelia de César. Assim, juntamente com Geraldus, Plínio e Menditus, iriam planear cuidadosamente os seus próximos passos. A conspiração estava em movimento e, a partir de agora, não haveria maneira de voltar para trás. Já com Edgar e Gaius presentes, Geraldus revelou, finalmente, o que a Deusa tinha planeado para ele, para espanto de todos.
- E é basicamente isso que tenho que fazer.
- Basicamente? – Perguntam em uníssono.
- Basicamente, basicamente, não… Mas basicamente, sim.
- Pois.
- E tu, Salvadorus, também recebeste a visita da Deusa? – Pergunta Menditus.
- Posso confirmar isso. Mas devo admitir que fiquei admirado por a Deusa ter também visitado Geraldus.
- Então porquê? – Inquire Plínio.
- Pensei que ela só queria a ajuda de homens.
- Pois, realmente tens razão. – Acrescenta Menditus.
- Pronto, lá estão vocês. – Intervêm Geraldus. – A Deusa escolheu-me primeiro, e deu-me o maior lugar de destaque. Isso é tudo inveja.
- Portanto, vamos lá rever: O Salvadorus sai das tropas de César, e começa a trabalhar aqui. – Diz Menditus.
- Certo. – Respondem os outros, em conjunto.
- O Geraldus, por sua vez, aproxima-se de César.
- Certo.
- O Plínio conquista o Coliseu.
- Certo.
- Depois conquistam Roma.
- Certo.
- E isso vai resultar?
- Em principio… - Diz Geraldus. – Temos a Deusa do nosso lado. E o Salvadorus é bastante inteligente.
- Pois, lá por este aspecto de Deus grego não quer dizer que não seja inteligente. – Acrescenta Salvadorus.
- Muito bem, já sabem que podem contar com toda a ajuda aqui do pessoal. E também assim aproveito e deixo de ter de contratar colaboradoras. E a minha rainha deixa de as matar. Ficam todos a ganhar!
- Oh Menditus, - Diz Edgar. – Mas a tua esposa tem matado mais colaboradoras?
- Já olhaste para cima? – Pergunta Menditus, apontando para o tecto.
Quando olham todos para o tecto, estão duas mulheres crucificadas no tecto.
- Bem vindo, Salvadorus. Assim é melhor para todos. Bem, próximo passo?
- Eu e o Plínio temos um combate no Coliseu ao fim da tarde, portanto acho que vamos ficar por aqui. – Diz Geraldus.
- Não vamos Geraldus.
- Então?
- Tenho que cumprir a promessa que fiz ao Zeus. Andava a esquecer-me disso…
- Qual promessa? – Pergunta Menditus.
- Também já tinha percebido que te tinhas esquecido Menditus. – Responde Plínio. – Tenho de criar a tal fundação, para ajudar os meninos da ilha do Príncipe. Espero que depois me possam ajudar…
- Claro, Plínio. – Respondem Menditus, Edgar e Gaius.
- Eu não ajudo! – Exclama Geraldus, para espanto dos presentes.
- Então?
- Não ajudo. Não ajudo. Para ajudar, primeiro quero um relatório de contas e levo um auditor
- Oh não… O que tu foste dizer, Plínio… - Diz Gaius.
- E não ajudo mesmo. Não quero que ninguém enriqueça às minhas custas.
- Porque é que não confias nas pessoas? – Pergunta Plínio.
- Eu não confio em ninguém. – Diz Geraldus.
- Mas, então porque é que não ajudas tu, directamente? – Pergunta Gaius.
- Eu ajudo. E muito.
- Então conta me lá um desses casos. – Diz Menditus.
- Não conto. Não tenho que me vangloriar das minhas ajudas. Eu ajudo para ajudar, não para andar a falar disso.
- Mas conta lá! – Diz Plínio.
- Só para saberes, quando estudava, dava sempre cinco sestércios a um mendigo que passava por nós. E digo-te mais! Depois via-o a comprar droga. – Diz Geraldus, chateado.
- Tu só tens dramas, na tua vida… - Rebate Plínio, consternado. – Bem, eu vou lá criar a fundação, depois encontramo-nos aqui.
E lá foi Plínio, sozinho, criar a sua fundação de cariz humanitário e sem fins lucrativos.
Ao fim da tarde, encontraram-se todos à porta da biblioteca, para seguirem para o Coliseu, onde Plínio iria ter o seu segundo combate. Quando chegaram ao Coliseu, foram todos comprar comes e bebes, enquanto Geraldus guardava os lugares, porque trazia o lanche feito pelo pai em casa. Os combates iam decorrendo numa toada sangrenta, sem qualquer piedade da parte de César. O público delirava com os gladiadores, mas o grande momento por que todos esperavam era o último combate. César levantou-se na altura do anúncio desse combate, para ver os gladiadores entrarem.
- E agora – Grita o anunciador. – temos o main event de hoje!
O público vibrava intensamente.
- De um lado temos o grande, o destemido, o filósofo… Vem de Roma, do temido Bairro Irenus, com passagens pela Grécia, Egípcio e Lusitânia… Ele luta com todas as forças que têm, usa a barba como ninguém, é o único… Plínio Plagius, o Gladiador.
E o público grita tresloucadamente. Plínio entra na arena e saúda os seus admiradores.
- Fui eu que o treinei. – Diz Geraldus à senhora que está do lado dele.
- Do outro lado – Continua o anunciador. – Vindo directamente ali do bosque… Come mel como ninguém, coça as costas num tronco velho… o grande… URSO!
O público também vibra entusiasticamente, e o urso entra, confuso, na arena. O combate começa e Plínio levava a melhor.
- Diz-me, caro Urso, qual é a tua posição relativamente à mortalidade do corpo em contraste com a imortalidade da alma?
O urso olha para Plínio com um ar confuso.
- Ou então, Urso, diz-me, acreditas no determinismo? Será que as tuas acções já estão escritas num livro sagrado desde a eternidade?
O urso começou a deitar a cabeça e a adormecer, enquanto Plínio preparava umas correntes para amarrá-lo. César não estava a achar piada à brincadeira, então fez sinal para um dos seus guardas atingir o urso com uma seta. Quando a seta perfura o pêlo do animal, este fica furioso e ataca Plínio. Os dois envolvem-se numa rixa violentíssima, e uma enorme nuvem de poeira levanta-se no meio do Coliseu, impedindo que o publico conseguisse ver o que se passava. E, de repente, fez um silêncio crepuscular no Coliseu. Do meio da nuvem de poeira surgiu uma criatura peluda, com as garras cobertas de sangue. O público gemeu de aflição. César não perdeu tempo.
- E o vencedor deste combate é… o Urso!
O público aplaude de pé, efusivamente, e César era congratulado pelos seus súbditos. Tinha assim conseguido anular aquela ameaça, e sem ter que recorrer a jogos de bastidores. Tudo parecia ter acabado bem, quando alguém grita:
- Mas aquilo é o Plínio.
O público solta um grito de espanto, e depois começam a gritar:
- Plínio! Plínio! Plínio!
César fica furioso
- Então ninguém me sabe avisar que aquele não era o urso?! – Diz o Imperador, enquanto desfaz uma mesa com dois murros.
- Mas Imperador! Eles eram quase indistintos! Assim à distância a diferença não é muita!
- Silêncio! – Brame César.
Entretanto, já na bancada, Plínio festejava com os seus companheiros.
- Não foi nada fácil Plínio!
- É verdade. O urso parecia conhecer todos os meus truques e usar as mesmas armas que eu… Mas o importante é que estou aqui, vencedor!
- Muito bem, Plínio, continuamos assim a seguir os desígnios da Deusa. – Acrescenta Geraldus. – Vamos lá ver como é que se sai o Salvadorus hoje à noite.
Era esta a noite em que Salvadorus anunciaria a César a sua partida, para trabalhar a tempo inteiro na biblioteca de Menditus. César descansava nos seus aposentos quando Salvadorus pediu para ser recebido pelo Imperador.
- Ave César!
- Salvadorus, meu centurião… Que tens para mim?
- Nada, oh César. Vinha aqui fazer-lhe um comunicado.
- Se não tiver a ver com a entrega da cabeça daquele insolente peludo, aquele Plínio, eu não quero ouvir.
- Não tem, César.
- Então não quero ouvir.
- Mas eu tenho que lhe dizer. Hoje.
- Mas eu não vou ouvir.
- César, eu queria…
- Não estou a ouvir.
- Dizer-lhe que renuncio…
- Fala para os louros, pois a minha imperial cabeça não ouve.
- Ao cargo de Centurião.
- O quê?! Traição!
- Ainda não…
- O que disseste?
- Nada, nada.
- Mas… Porque queres abandonar a elite das elites?
- Quero prosseguir a minha carreira como funcionário de uma biblioteca. É que as pessoas olham para mim e pensam que consegui tudo graças a este aspecto. Mas, não, eu sou muito inteligente.
- Biblioteca? Ah… Passaste-te para o lado deles! Eu ainda não sei o que andam a tramar, e enquanto o publico estiver do lado do Plínio não lhe posso tocar… Mas eu terei as vossas cabeças, uma por uma…
- Isso é o que veremos. – Diz Salvadorus, ameaçadoramente, enquanto sai.
Salvadorus ficou preocupado, pois pensava que César não iria reagir daquela forma. César parecia estar bastante desconfiado, o que poderia prejudicar os planos deles. Teria de conseguir distraí-lo para poderem agir em segurança. Nessa medida, talvez tivesse sido melhor ter ficado perto de César, para estudar os seus movimentos. Mas agora já não podia desfazer o que tinha feito, portanto não valia a pena pensar mais nisso. Seguiu assim, um homem livre, para a biblioteca de Menditus.
- Já está! – Diz Salvadorus, ao entrar na biblioteca. – Onde é que está o Menditus para assinar o contracto?
- Esquece lá isso… - Diz Plínio. – Ele foi visitar a sua esposa enquanto esta se banhava. Só volta amanhã. No mínimo.
- Queria assinar já hoje o contracto.
- Eu trato disso… - Diz Plínio.
- Olha este… Armado em sub-gerente… Vê lá se queres que eu te faça uma malinha de cartão, como fiz ao Menditus quando ele tinha a mania que era sub-gerente. – Diz Geraldus.
- Só há um problema… Diz Salvadorus.
- Então? – Pergunta Edgar.
- Penso que César desconfia de algo. E agora comigo longe dele, não podemos descobrir o que ele poderá fazer contra nós.
- Precisamos mesmo de alguém que se aproxime dele… - Diz Gaius.
- Mas quem? – Pergunta Plínio.
- Já sei! – Exclama Geraldus. – Juristus!
- Juristus? – Pergunta Salvadorus.
- Sim, Rui Juristus, mestre impar na arte do decreto-lei e afim, fervoroso adepto dos verdinhos de leão ao peito, reconhecido autor da blogosfera! – Diz Geraldus, entusiasmando.
- O que é a blogosfera? – Inquire Salvadorus.
- Também não sei, mas foi o que ele me disse.
E assim ficou combinado. Amanhã contactariam Juristus e inteiravam-lhe da conspiração que planeavam levar a cabo. A revolução estava iminente.

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