XXIII - Sat Cito Si Sat Bene

Na sala de reuniões, enquanto Plínio, Edgar e Gaius ultimavam os preparativos para a partida rumo a Verbier, onde presumivelmente se encontrava o pergaminho perdido “Adivinha Quanto Eu Gosto De Ti”, Geraldus olhava-se ao espelho, na esperança de escolher a melhor roupa possível para esta aventura invernal.
- Acham que está assim tanto frio que eu não posso mostrar o bíceps?
- É bem capaz... – Responde Edgar, sem tirar os olhos das folhas.
- Então e só for só por uns instantes? Aposto que as gajas de lá suspiram por um gajo quente como eu.
- Olha que está muito frio... – Acrescenta Gaius.
- Basta um cachecolzinho e está a andar, estou pronto para o frio.
- Tu lá sabes, Geraldus. – Diz Plínio, enquanto observa o mapa do local.
Entretanto, junto ao balcão, Menditus vai tentando, à distância, dar alguma formação à nova colaboradora, não vá a sua esposa curvilínea aparecer de repente. Menditus dominava a formação, apesar de, por vezes, ser injustamente acusado de esconder facturas para poder ficar no escritório a trabalhar. Distraído com essas insidiosas acusações, Menditus não reparou na chegada da sua esposa. A sua passagem foi breve mas eficaz. Quando Menditus voltou a si e pediu à sua colega para verificar quanto dinheiro havia em caixa, ficou espantado por não ter obtido nenhuma resposta. A sua colega olhava para si, sorridente, mas não lhe respondia. Quando Menditus dá um passo na sua direcção, ela cai para cima do balcão, e Menditus verifica que ela tem uma machadinha espetada na nuca. Menditus suspira, chama Geraldus, para limpar o estabelecimento e vai buscar a ultima colaboradora.
- Olha, podias vir ali comigo para o balcão?
- Pensei que iria ficar encarregue da arrumação...
- É que a nossa colega levou com um, quer dizer, sentiu-se mal e teve de se ausentar...
- Sendo assim... Mas o que é que ela tinha?
- Uma machadi... Umas manchinhas, na cara e no pescoço... Alguma alergia ou qualquer coisa... Nada de preocupante.
- Vou fazer o melhor que posso.
- Eu sei que vais. Ah, já agora, se vires, por acaso, sei lá, pode acontecer, já ouvi falar em coisas mais estranhas, umas setas ou uns machados, foge.
- O quê?
- Nada, nada! Estamos só a conversar, não te preocupes. Mas, já sabes, foge.
Menditus foi à procura da sua mulher. Encontrou-a nos seus aposentos, a banhar-se, enquanto admirava uma enorme e reluzente faca.
- Outra vez minha rainha?!
- O quê?
- O quê?! Mataste a minha colega! Assim é difícil trabalhar.
- Ah, não sejas assim Menditus...
- Não sejas assim, não, assim a biblioteca não anda para a frente e... Para que é que é essa faca?!
- Faca?
- Sim.
- Já viste como a água está quente?
- Eu perguntei pela faca...
- Olha como está quente, queres ver, dá cá a tua mão...
- Eu sei que vi uma faca e... Pronto, está realmente quente e – Vénus puxa Menditus para dentro de água – Do que é que eu estava mesmo a falar?
- Nada, nada... – E Vénus esconde a faca por baixo da sua toalha.
Plínio e Geraldus já estavam prontos para partir, quando apareceu Juristus.
- Então, onde é a ida desta vez?
- Verbier. – Responde Plínio. – Mas pensei que já tinhas feito o teu trabalho...
- E já fiz. Mas até gosto de esquiar, e ouvi dizer que a mulher do Menditus cozinha muito bem, portanto parece-me que têm companhia na viagem e depois fico para jantar.
- Podemos partir ou não? – Pergunta Geraldus, impaciente.
- Mas o que é que se passa contigo? – Pergunta Plínio. – Andas impossível.
- Nada. Podemos partir?
- Sim, sigamos, então.
- Ah, já agora, colega nova?
- Sim?
- Se morreres, tenta morrer ali na entrada, porque já me dói as costas de vos carregar... – Diz Geraldus, enquanto caminhava em direcção à porta. A colega não percebeu, encolheu os ombros e continuou a trabalhar.
- É só de mim, ou já está tudo farto destes trabalhos? – Pergunta Plínio.
- Acho que tens razão... – Diz Geraldus. - E se nós, à vinda de Verbier, passássemos pela Grécia, esgrimias já com o R. Humanus e depois íamos ter com o Zeus, e tratávamos de tudo nesta viagem?
- Parece-me bem. Alem disso, temos aqui o Juristus connosco. A parte legal está assegurada.
- É para isso que cá estou.
Partiram para Verbier, que se localizava nos Alpes Suíços. Verbier era famosa por ser a estancia de esqui de várias personalidades famosas.
- Oh Plínio, eu sempre quis perguntar-te uma coisa...
- Se queres saber aquelas tangas do costume, tipo quando é que te tornas homem e coisas que tais, aviso te já que estou com pouca paciência.
- Não, não é nada disso. Estes últimos trabalhos...
- O que é que tem?
- Foram mesmo feitos à tua medida, certo?
- Certo. Onde é que queres chegar?
- Este pergaminho... “Adivinha Quanto Gosto de Ti”, conheces?
- Por acaso... Até sei o que é... Mas e então?
- Nada, nada... Por acaso não sabes como veio parar a Verbier, não?
- Não.
- Por acaso, só por acaso, não foste tu que o ofereceste a alguma gaja?
- Não, não ofereci.
- Mas olha que eu vi lá uma factura do livro vendido com o desconto de colaborador.
-... Já te disse que não fui eu...
- Está bem, está bem, nós acreditamos.
- Olha... Só mais uma coisa...
- O que foi agora?
- Quando chegares a Verbier, por favor, se te aventurares com alguma nativa, por favor usa protecção.
- Achas que elas têm doenças?
- Não. Mas é que com aquele frio todo e com o teu pêlo ainda nasce um urso polar.
Plínio nem sequer se dignou a responder. Juristus, aquando destes diálogos, ficava de parte a observar, pois era algo digno de se ver. A química entre os dois era inimitável.
À chegada a Verbier, o frio deixou os de rastos. Geraldus chorava pela sua mãe e apertava o cachecol, Plínio andava descansado, pois a pelugem protegia-o e Juristus parecia um boneco de neve. Foram acolhidos numa residencial de estudantes, apesar da relutância de Plínio.
- Bem, acho que não há tempo para descansarmos. Vamos lá recuperar o livro.
- Mas tu sabes onde ele está?
- Não. Mas não gosto de aqui estar.
- Tens medo de ver alguém conhecido, é?
- Tu és maçador, sabias?
Plínio não queria admitir, mas havia alguém que podia andar por aí. Alguém que lhe causava tremores no coração e ele não queria reviver memórias perdidas. Afastou-se de Geraldus, e procurou o quarto 33, entrou à socapa e retirou o pergaminho da estante, exactamente do sitio que ela disse que iria estar. Viu um raminho... Deu-lhe uma festinha e disse:
- Até sempre...
E abandonou o quarto. Quando chegou ao pé de Geraldus, Juristus estava rodeado de uma belas helvéticas.
- Como é que aquele gajo consegue? – Pergunta Geraldus, agarrado ao seu chocolate quente.
- É homem. Vamos embora.
- Vamos? Então e o pergaminho?
Plínio levanta o pergaminho à frente do olhos de Geraldus.
- Mas como?
- Não quero falar nisso. Podemos ir para a Grécia? Tenho os pêlos congelados.
- Juristus! – Berra Geraldus, do canto da sala. – Siga para Grécia.
Juristus deixou o seu contacto do Iuvenis.It e juntou-se aos dois companheiros.
- Epá, logo hoje que estava a modos que bem acompanhado, vocês despacham-se tão rápido?
- Curioso não é? – Observa Geraldus. – Pergunta ali ao jeitoso.
- Eu não quero falar disso.
- Estás a ver, Juristus? Parece uma gaja em negação. Mas, ele lá sabe. Ele que guarde os “raminhos” dos seus segredos bem junto de si. Que nós não ligamos.
Seguiram depois para a Grécia e nunca antes o tempo quente que se fazia sentir em Atenas foi tão agraciado pelos viajantes. Plínio tratou de saber onde se encontrava R. Humanus. Tinha de esgrimir com ele e vencer, para conseguir obter o estatuto de Gladiador-Trabalhador, porque só assim conseguiria trabalhar, treinar, estudar filosofia e criar a fundação. Chegados ao covil imundo de R. Humanus, rapidamente se fizeram anunciar. Foram levados a uma sala onde R. Humanus já os esperava. R. Humanus era viscoso, feio, desleal e hipócrita. Plínio vacilou, mas Geraldus deu-lhe a confiança para avançar.
- R. Humanus! Estou aqui para ter o que eu mereço!
- Sim! – Exclamou Juristus. – O meu representado, vamos chamar-lhe Peludinho, para preservar a sua identidade, tem total direito ao estatuto de Gladiador-Trabalhador. Está na lei.
- Não há lei. – Diz R. Humanus. – Não há lei.
- Mas, oh Sr. Humanus, se é que posso tratá-lo assim, o meu representante, à luz do Direito, tem todos os direitos e regalias resultantes da sua condição de Gladiador-Trabalhador.
- Não há lei.
- Mas ele não diz mais nada? – Pergunta Plínio.
- Sr. Humanus, parece que há aqui um pequeno imbróglio. Não tem saída, caro amigo, tem que lhe conceder o estatuto.
- Parece surdo! – Exclama Plínio. – Não vale a pena, ele não aceita negociar, não desmancha esta atitude autista perante o problema!
- Não há lei.
- Mas há espada! – E Plínio trespassa uma e outra vez R. Humanus. Em vez de escorrer sangue escorre uma gosma esverdeada e com um odor pestilento. À saída, obrigaram a secretária a assinar o estatuto e seguiram para o templo de Zeus.
- Zeus! – Grita Plínio. – Está tudo feito!
- Mas que é isto? – Diz Zeus, tomando a forma da sua gigante estátua. – Ainda faltam, ora bem, três vezes quatro, doze, mais trinta e seis, hmmm.. Muitos dias! Faltam muitos dias para terminarem os trabalhos!
- Zeus, - Intervém Juristus. – posso garantir-lhe que foi tudo cumprido conforme combinado.
- Então e o meio trabalho?
- Qual meio trabalho? – Pergunta Juristus.
- O meio trabalho. O Plínio tem que lutar ali com o Geraldus, numa daquelas clássicas cenas aluno contra mestre.
- Já me tinha esquecido disso... – Diz Plínio.
- Eu não... – Diz Geraldus.
- Vá, podem começar. – Diz Zeus enquanto aponta para umas espadas que se encontravam na parede do templo. – O primeiro a sangrar perde. E se for o Plínio, ficam meus escravos para a eternidade. Pensando melhor, não comecem já que eu vou buscar as pipocas!
- Esta agora... Geraldus, não me falaste disso...
- Er... Esqueci-me. Oh Plínio, agora é fácil. Tu finges que me vais acertar e eu corto-te o braço. E ficamos escravos do Zeus para a eternidade. Podia ser pior!
- Cortas-me o braço?!
- Zeus, posso comer pipocas também? Isto promete. – Observa Juristus.
- Corto-te o braço! Também, na eternidade, para que é que precisas do braço?
- Nem pensar. Tu pões te a jeito e eu dou-te um corte na nalga.
- Pronto, tinha de ser, eu sabia que um dia tu queria tocar-me na nalga, é o que dá trabalhar com mulheres! Oh shôr Zeus, isto assim não há condições!
- Não tenho nada a ver com isso. E que tal se começassem? Daqui a nada já não tenho pipocas!
- Vá lá Geraldus, não sejas assim. Um corte pequenino.
- Nem pensar, não consigo ver sangue.
- Então como é que eras Gladiador?!
- Ah, isso agora... O que é que estás a fazer com esse xizas na mão? Plínio... Plínio!
O xizas era umas das armas secretas de Geraldus, e era um x-acto modificado. Plínio consegue fazer um corte com cerca de cinco milímetros no dedo de Geraldus. Cai uma gota de sangue no chão e todo o edifício treme.
- Ahhhhhhhh! – Grita Geraldus, enquanto se contorce no chão. - A humanidade! Alguém diga à minha mãe que eu gosto muito dela! Digam às gajas que suspiram que eu sempre as amei, digam no Iuvenis.It que eu parti, digam que voei para longe... A dor, a dor... Estou a ver uma luz... Estou a ver uma luz... Adeus, adeus...
- Já acabaste? – Pergunta Plínio.
- Já.- Geraldus levanta-se e sacode-se. – Podemos ir embora e começar a treinar?
- Estava a ver que nunca mais chegava a hora. – Diz Plínio, sorridente.
Os dois abraçam-se e saem do templo. Zeus olha para Juristus, e este encolhe os ombros.
- São muito abichanados, não são? – Pergunta Zeus.
- Um bocado.
- Olha, não os percas de vista. Certifica-te de que cumprem a promessa da fundação.
- Assim o farei, oh grande Zeus.
- Vai lá, Juristus, e pelos teus serviços, no ano de dois mil e sete depois de Cristo, porei o Engenheirus Santus à frente do Benfica e o teu Sporting conseguirá um belo segundo lugar.
- Não sei do que é que está a falar, mas está bem, agradeço.
Juristus juntou-se aos dois amigos e seguiram para Roma, onde iria começar uma nova fase da vida deles. A época do Coliseu começava em pouco tempo e os treinos iriam intensificar-se. Depois havia a biblioteca e a fundação. Os próximos tempos prometiam, e muito.

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