XXI - Largissimi Promissores, Vanissimi Exhibitores

Devido ao facto de Juristus ter tido de se ausentar devido a assuntos legais, tiveram de aguentar por uns dias a realização do próximo trabalho. E logo este que parecia tão fácil, nem sequer teriam de sair de Roma. Bastava Plínio ajudar alguém desconhecido, sem se prejudicar a si mesmo. Pouco poderia correr mal. Sendo assim. Plínio aproveitou, como tinha uns dias para descansar antes da abertura da biblioteca e foi a Israel, ter com o seu velho amigo Jesus. Ao chegar a Israel, achou estranho não ver nenhuma multidão de volta dele. Até estava a pensar em fazer um novo concurso de barbas. Depois de procurá-lo por todo o lado, finalmente arranjou coragem para perguntar a alguém onde se encontrava Jesus.
- Olhe, desculpe, por acaso não viu aí um individuo com uma barba jeitosa, chamado Jesus? Acho que faz milagres e mais não sei quê..
- Ah! – Responde o transeunte. – Jesus… Pobre alma… Foi apanhado pelos romanos e crucificado.
Plínio ficou estarrecido. Perguntou onde ficava o local da crucificação e dirigiu-se para lá rapidamente. Ao chegar ao local, vê Jesus, sozinho, pendurado numa cruz.-
- Jesus!
- Sim, Plínio…
- Então! Deixa-me tirar-te daí! Ainda te magoas!
- Plínio, eu estou pendurado pelos pulsos e pelos pés, o que é que te leva a crer que estou magoado? – Jesus revira os olhos. – Não és muito inteligente, pois não?
- Isso agora não interessa. Vá, deixa-me tirar-te daí!
- Agradeço a ajuda, Plínio, mas eu tenho de morrer pelos pecados da humanidade, ou lá o que é.
- Ah, e eu que te vinha convidar para darmos uma volta por África e irmos pregar umas partidas ao Cipião.
- Epá, isso até é tentador… Mas não posso, não posso mesmo.
- Ah, vá lá Jesus, anda lá, vais ver que vai ser divertido.
- Então… Que se dane. Vamos lá. Ajuda-me lá a descer.
Plínio ajudou Jesus a descer e partiram para África, até à aldeia de Cipião. Aí divertiram-se a fazer partidas ao velho General e ver os leões a correr na savana. Plínio aproveitou para ver o seu leão, e teve bastante pena de não o poder levar ainda para Roma.
Quando passaram três dias, estava na hora de voltar. Ao chegarem a Israel viram um monte de pessoas a a chorar à volta da cruz onde estava Jesus.
- Caraças, pensei que não dessem pela minha falta! – Diz Jesus, preocupado. – Eu sou o Messias, não posso desiludi-los…
- Que fazemos agora?
- Raios Plínio! Estou feito.
- Já sei! Vamos ali para as sepulturas, eu tiro a pedra que tapo a entrada e digo que ressuscitaste! Eles não dão por nada! Vá lá. Vou para ali e grito que Jesus está sepultado ali atrás. Depois, quando eles lá chegarem, eu tiro a pedra e tu sais de lá. E fica toda a gente feliz.
- Não sei… Achas mesmo?
- Confia em mim.
E assim fez Jesus. E como Plínio tinha vaticinado, correu tudo às mil maravilhas.
- Muito bem Plínio, vejo que a tua ideia resultou em grande…
- E agora, o que acontece daqui para a frente?
- Não sei Plínio, a Bíblia não é muito clara em relação a isso.
- A quem?
- Esquece. Vá Plínio, volta para Roma, tens uns trabalhos para acabar.
- Adeus, JC, foi um prazer rever-te.
- Adeus, jovem Plínio.
E assim fez Plínio, voltou a Roma, mesmo a tempo da abertura da nova biblioteca, que foi um sucesso. Como era maior do que a anterior, Menditus concordou em arranjar novos trabalhadores, mas há falta de homens, teve de contratar duas mulheres. Geraldus continuava lá caído, só a fazer número e a dar apoio moral a quem trabalhava. Menditus participava activamente no dia-a-dia da biblioteca e Plínio, fazendo o horário repartidus, ia aproveitando para treinar com Geraldus e melhorar as suas capacidades como gladiador. A época do Coliseu começava em pouco tempo, por isso Plínio queria terminar os trabalhos e treinar afincadamente para estar em grande forma.
Menditus estava junto ao balcão a dar formação a uma das novas colaboradoras quando a sua esposa chegou. Pelo olhar, Menditus percebeu que Vénus não tinha gostado muito de ele estar a dar-lhe formação.
- Menditus... Chega aqui. Não há aí mais ninguém para lhe dar formação?
- O Plínio até podia dar, mas sempre achei que era melhor ser um homem a dar formação.
- Mesmo assim, era melhor ser outra pessoa.
- Mas porquê?
- Por nada, por nada.
E Vénus voltou para os seus aposentos, para se banhar. Menditus decidiu não ligar à sua esposa, eram apenas os ciúmes a falar. Menditus aproveitou o tempo sossegado para ir ao escritório, e quando voltou, estava a nova colaboradora enforcada junto a uma estante.
- Mas que raio?!!?
Vénus aparece atrás de si.
- Então amor, ouvi os gritos e vim cá abaixo ver o que se passa!
- Então! Olha! Enforcou-se!
- Talvez a tua formação era entediante...
- O quê?! Mas... Achas? Oh Geraldus, anda cá tirar a rapariga dali!
- Mas que é que se passou? – Pergunta Geraldus.
- Eu sei lá. Estava aqui a dar-lhe formação, fui lá dentro e quando voltei deparo-me com isto. Aproveita e quando voltares chama a outra rapariga.
Menditus ficou abalado, mas a vida continuava e começou a dar formação à nova rapariga. A sua esposa apareceu novamente...
- Olá meu amor...
- Então não ias banhar-te como a rainha que és?
- Ia, mas vim só cá porque tinha saudades... Quem é essa?
- É a nossa outra colaboradora, porquê?
- Por nada... É que ela está muito perto de ti... E ela tem um ar doente.
- Achas? Não tem nada...
- Olha que tem... Na volta ainda morre como a outra...
- Morre agora, achas, ela tem um ar saudável e – Menditus vira-se para trás e vê a sua colaboradora com uma seta envenenada no pescoço. – Ah! Mas que é isto?! Uma seta? Que é isso que estás a esconder? – Diz Menditus, para a sua esposa.
- O quê? Nada, nada.
- Não, não, mostra lá que é isso que tens atrás das costas, parece um arco!
- Tenho uma coisa atrás das costas que gostas de ver... Queres ver?
- Hmmm... Mas eu ia jurar que vi um arco e … Pronto, está bem. Vamos lá ver isso. Eu amanhã arranjo colaboradoras novas.
Geraldus voltou ao balcão e não encontrou Menditus. Quando deu a volta viu o corpo da outra colaboradora no chão, e carregou com ele lá para trás. Geraldus sabia que a Rainha das Amazonas não era para brincadeiras.
Edgar e Gaius preparavam os próximos trabalhos na sala de reuniões, por entre umas arrumações pontuais. Ao verem Geraldus a carregar corpos ficaram curiosos.
- Oh Geraldus, – Diz Gaius. – O que é que andas a fazer?
- A carregar vítimas da esposa do Menditus.
- E que tal se fizesses algo de útil e fosses ali à farmácia nova que abriu buscar umas coisas para umas poções? – Pergunta Edgar.
- Claro, porque carregar mortas não é trabalho. Enfim. Eu vou lá vou...
Geraldus saiu da biblioteca e caminhou pelas ruas de Roma. Estavam ainda em reconstrução, depois do “seu” incêndio.
- A chama era tão bonita... – Disse Geraldus para si mesmo, enquanto olha para as ruas.
Finalmente chegou à farmácia e ao entrar ficou surpreendido. Era a mesma farmacêutica que tinha encontrado em Atenas, quando se tinha perdido com Edgar à procura de gajas. Geraldus tinha a lista das compras, portanto aquele contacto com um exemplar do género feminino seria rápido e indolor.
- Olá, bom dia! – Diz Margarita, a farmacêutica. – Espera, eu lembro-me de ti. Tu és aquele lingrinhas que eu conheci em Atenas, que era de Roma e trabalhava numa biblioteca.
- Tirando a parte do trabalhar até tens razão. Eu deixo uma marca nas mulheres, não deixo?
- É isso, é. Então, diz-me, que precisas do meu estabelecimento?
- Tenho aqui uma listinha do meu companheiro Edgar. Sabes que ele faz umas rezas e coisas que tais. Eu não percebo nada disso.
- Já vi que sim. Já vi que és mais dado a lutas... Entre homens.
- Pois. É isso mesmo. Era gladiador.
- Eras?
- Agora sou treinador.
- Ah... Portanto fartaste-te de te roçar em homens peludos e parcialmente nus, foi?
- Sim. Quer dizer, não! Não era isso que fazia! Eu lutava. Como um homem.
- Tinhas que fazer um esforço para isso não tinhas?
- Não. Sou muito macho. Vê estes músculos? Toca lá nos músculos?
- Deixa estar, dispenso. – Margarita acaba de apanhar os ingredientes e coloca-os em cima do balcão. - Pronto, aqui tens a tua lista.
- Olha... O Plínio acaba os trabalhos lá para as onze e meia, queres ir ter comigo à biblioteca?
- Até posso ir... Mas será que vais lá estar?
- Palavra de honra que vou.
Geraldus saiu e ficou a pensar no que raio é que se tinha metido. Ele não queria convidá-la, mas, ao mesmo tempo, não resiste. Ele não resiste ao acto da caça. Ele é que devia ser um leão, não a bola de pêlo a que davam o nome de Plínio.
Ao chegar à biblioteca encontrou Juristus à entrada.
- Então, por aqui?
- Estou à espera que o Plínio saia para darmos início ao seu novo trabalho.
- Então e iam sem mim? – Pergunta Geraldus, indignado.
- É que o Plínio acha que tu vais lhe dar azar neste trabalho em particular.
- Ai sim, então está a emancipar-se, qual fêmea maluca? Então ele que vá sozinho e depois não se queixe.
E Geraldus partiu para dentro da biblioteca. Plínio saiu com Menditus, que ficaram espantados por Geraldus ter passado por eles rapidamente sem dizer nada.
- Que é que se passa com ele? – Pergunta Menditus a Juristus.
- Sei lá, devem ser ciúmes. Ora bem, Plínio, estás pronto?
- Prontíssimo.
- Então as regras são as seguintes: tens de ajudar um estranho. Tem mesmo de ser alguém que não conheças, e não podes sair de forma alguma prejudicado com isso.
- Eu ainda estou para perceber a dificuldade disso.
- Eu também, mas se Zeus fez o pedido tens de cumpri-lo. – Diz Menditus. – Vamos para o centro de Roma, aí há sempre gente à procura de ajuda.
Ao chegarem ao centro de Roma, deram duas ou três voltas nas principais ruas à procura de alguém para ajudar, mas aparentemente não havia ninguém nessa situação. Até que ao voltarem uma esquina, ouviram uma senhora, com alguma idade, a gritar por ajuda. Plínio apressou-se para junto dela.
- Minha senhora, estou aqui para ajudá-la! O que posso fazer por si?
- Meu filho, o meu gato está preso naquela árvore, podes subir e buscá-lo para mim?
- Mas é que é já! – Diz Plínio, confiante. – Juristus, toma aí nota.
Plínio começa a subir a árvore, e quando já tinha uma mão no gato, os pés escorregam-lhe e ele fica suspenso pelos pêlos do peito num ramo. O público em baixo grita de terror.
- Tenham calma! Os meus pêlos são tremendamente resistentes não há que temer e... Gato! – Plínio olha para o lado e viu o gato a cortar os pêlos que o seguravam à árvore. - Pára Gato!
O ramo acaba por ceder e Plínio começa a cair embrulhado com o gato, perante o pânico do publico presente. O seu corpo amorteceu a queda do gato, que caminhou calmamente para o colo da senhora.
- Parece que me falhaste. – Diz Juristus.
- Pois... – Acrescenta Menditus,
- Eu não quero falar disto, certo? Sigamos para a próxima.
Ao retomarem o passo, Plínio viu uma criança no meio da estrada e vinha uma carroça em grande velocidade na direcção dela.
- Vai lhe acertar! – Grita Plínio, em desespero.
Plínio começa a correr velozmente e lança-se na direcção da criança, salvando-a de uma morte certa. Levantam-se os dois, e Plínio verifica o estado da criança.
- Estás bem?
- Estou… Obrigado… Eu… Hoje leram me a sina… E disseram-me que o urso seria o meu animal da sorte…
- Juristus, estás a ver? – Diz Plínio, do meio da estrada. – Eu salvei a criança e não me prejudiquei aliás eu sinto-me muito…
E antes sequer de acabar de dizer a frase já estava a ser varrido por uma carroça que vinha na direcção contrária.
- Isto não vai ser fácil Juristus.
- Já vi que não vai, não… Vamos lá ajudar o homem, que está ali todo embrulhado.
Juristus e Menditus ajudaram Plínio a levantar-se. Este sacudiu a poeira do corpo e começou a andar. Alguém precisaria de ajuda sem que isso o prejudicasse. Estas situações foram meros acasos. Continuaram a caminhar pela rua até encontrarem um mercador que estava a montar a sua banca. A última madeira a ser pregada estava num local inacessível para o mercador, por ser demasiado baixo. Plínio não se fez rogado.
- Deixe estar que eu dou-lhe uma mãozinha.
Plínio pega no martelo e no prego, e ao dar a primeira martelada, toda a barraca desfaz-se em cima dele.
- Começo a ficar seriamente preocupado.
Começaram a voltar para trás, podia ser que junto ao Coliseu houvesse alguém que necessitasse da sua ajuda. Ao passarem por um beco mais recôndito, Plínio ouviu uns pedidos de ajuda. Correu para ver o que se passava, e viu uma rapariga em apuros. Três homens tentavam roubar a sua mala.
- Larguem-na! – Grita Plínio.
- Ou? – Pergunta um dos homens. – Vais picar-nos, ouriço?
Todos os homens riem, mas a rapariga não acha piada.
- Isso são mesmo traumas de infância recalcados, não são?
- Uau! – Disse Plínio. – És filósofa?
- Sou psicóloga. Não gosto de filósofos.
- Então e a ética? E a lógica? E a metafísica? Seguramente que achas a filosofia importante!
- Coisas de quem não tem nada melhor para pensar! Então e a razão, os processos mentais, o inconsciente e o comportamento?
A esta altura já os ladrões tinham fugido.
- Então e a filosofia para crianças?
- Isso a mim parece-me manhoso… -Diz Menditus
- A psicologia infantil é mais útil. – Rebate a misteriosa rapariga. – Bem, adeus. Obrigado por me teres, enfim, ajudado.
E foi embora, tão misteriosamente como apareceu.
- Bom, parece-me que, com estas palavras, está o desafio superado! Parabéns, Plínio. – Exclama Juristus, enquanto toma notas no seu caderno.
- Mas, diz-me o teu nome… Rapariga? Onde está?
- Já partiu, Plínio. – Diz Menditus.
- Nem fiquei com o nome dela…
Partiram para a biblioteca, apesar da tristeza de Plínio que, nessa noite, trabalhou o dobro do habitual. Chegada a noite, Geraldus parecia bastante nervoso.
- Que é que se passa contigo? – Pergunta Menditus.
- É que eu tinha a modos que combinado uma coisa… Mas não me apetece ir… Dói-me o mindinho…
- E o que tinhas combinado?
- Nada, nada… Mas é que o mindinho, ui, se dói, sente só a dor, ui!
- Já percebi…
- Olha, fazes-me um favor… Vais ali à entrada e dizes à rapariga que lá está que eu fui, deixa ver, comido por um urso? Ou então fui raptado. Ou qualquer coisa. Tens boa imaginação Menditus.
- Está bem, mas é a primeira e a última vez que faço isto.
Menditus foi lá e viu a tal rapariga à espera.
- Er, isto pode parecer estranho, mas o Geraldus diz que foi comido por um urso ou não sei quê.
- Ah, coitadinho. Eu só vim aqui entregar isto que ele esqueceu na farmácia. Boa noite.
E foi-se embora. Menditus voltou para dentro, e, depois de dar as poções restantes a Edgar, foi para os seus aposentos onde a sua esposa o esperava. Geraldus ficou a fazer companhia enquanto Plínio fechava a biblioteca. Amanhã era outro dia…

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