XIX - Nomen Omen

Chegou a altura de partir para mais um trabalho, mas desta vez Plínio e Geraldus não podiam contar com a ajuda de Menditus, Gaius e Edgar porque estes ficariam em Roma a montar a nova livraria. Menditus tentou arranjar novos companheiros para os dois aventureiros mas nada correu como planeado: Alzheimer estava sempre a esquecer-se de aparecer e Parkinson estava sempre a deixar cair os mantimentos. Não era possível seguirem com Plínio nesta aventura.
Como a floresta das Amazonas estava repleta de perigos e armadilhas, este trabalho não se afigurava nada fácil. Havia o risco de eles não voltarem. Houve alguma tensão no momento da despedida, e Geraldus tentou abraçar toda a gente, dando azo a uma correria louca pelo meio de Roma.
- Só um abracinho! – Pedia Geraldus, enquanto corria atrás dos companheiros.
No momento em que iam a partir, surgiu algo que mudou completamente o rumo da viagem: Zeus apareceu na sala onde eles se encontravam.
- Saudações, Mortais.
- Olá sua reverência imortal, Pai dos Deuses! – Diz Geraldus, de joelhos.
- Estou aqui por duas razões… - Diz Zeus, perante o espanto dos presentes. – Primeiro que tudo, era suposto demorarem um ano a fazer os trabalhos, e a modos que em duas semanas já vão a meio. Por acaso não estão a tentar enganar-me pois não?
- De modo algum, Zeus. – Diz Plínio, fazendo uma vénia.
- Não, não grande Zeus! Meu Zeus! E o templo de Diana eu prometo que vou acabar! – Diz Geraldus, ainda ajoelhado.
- Qual templo de Diana? – Pergunta Zeus, confuso.
- Nada, nada, estava apenas a divagar! – Responde Geraldus.
- Quero certificar-me de que tudo corre conforme o planeado em cada trabalho. Portanto, quero nomear alguém que vos acompanhe em dois ou três trabalhos para assegurar-me de que não houve batotas desnecessárias.
- Só um momento, Zeus… - Intervém Menditus – Como é que sabemos que a pessoa escolhida por vós, Pai dos Deuses, é idónea?
- Porque é sportinguista! – Responde Zeus.
- Não sei o que é isso, mas deve ser importante… - Diz Edgar para Gaius.
- E tu conheces bem essa pessoa… Um cumpridor da lei… Um mestre dos pergaminhos legais… Rui Juristus.
- Juristus? – Perguntam Plínio e Geraldus.
- Sim, Juristus. – Responde Zeus.
- Juristus… - Confirma Menditus – Parece-me bem.
- Então está resolvido! – Exclama Zeus.
- Então e o segundo assunto Zeus? – Pergunta Geraldus, com os dentes a tremer – Por acaso não tem nada a ver comigo e com a Deusa da Caça pois não? Só por acaso… É apenas um palpite. Não tem pois não? Não tem? Ou com o fogo de Roma? É que eu posso garantir que apaguei a vela!
- Como é que vocês o aturam? – Pergunta Zeus.
- Já estamos habituados… - Diz Plínio.
- O segundo assunto é contigo, Plínio.
- Comigo?!
- Sim. Quando terminares os trabalhos, vais ter de criar uma fundação de cariz humanitário. E ajudar as crianças e os pobres. Em nome de Zeus. Ou seja, em meu nome. Vais ter de arranjar fundos e preparar uma viagem a África.
- África? Já lá estive… Assim posso trazer o meu leão.
- Tens um leão em África? – Pergunta Gaius.
- É uma longa história.
- Zeus, eu gostava muito, mas há um problema… O meu trabalho na livraria… Não vou ter tempo para treinar, trabalhar e tratar da fundação.
- Não aprendeste nada neste tempo todo pois não Plínio? – Questiona Zeus. – Tenho uma palavra para ti. REPARTIDUS! – E ao dizer isto, o céu encheu-se de relâmpagos e um enorme trovão ecoou por toda a Roma.
- Repartidus? Outra vez? – Pergunta Menditus.
- REPARTIDUS! – Diz Zeus, enquanto caiem novos relâmpagos!
- Repartidus… A arte milenar da divisão do horário entre a manhã e a noite, deixando a tarde livre para possíveis estroinices. – Explica Edgar.
- REPARTIDUS! – Exclama Zeus, e caiem mais relâmpagos.
- Mas isto vai acontecer sempre que ele disser isto? – Pergunta Geraldus.
- Desculpem, mas é que isto é viciante… - Diz Zeus. – Bom, a minha visita chegou ao fim. Já sabem, antes de partirem entrem em contacto com Juristus, para ele vos acompanhar. Vemo-nos em Atenas. – E Zeus desaparece debaixo do som de um trovão.
- Este Zeus faz mal aos ouvidos. – Diz Geraldus. – Ainda por cima o meu tímpano é especial.
- Tudo em ti é especial. – Diz Menditus.
Se Zeus assim o queria, era assim que iria ser feito. Plínio e Geraldus, acompanhados de Menditus, seguiram para casa de Juristus, para este os acompanhar na viagem. Zeus já tinha falado com ele, por isso ele já estava à porta à espera dos viajantes.
- Ora bem, então é com vocês que tenho de ir. Isto é uma vistoria com base legal, apoiada no Direito Divino. Alguma dúvida? – Pergunta Juristus.
- Nenhuma. – Diz Plínio.
- Isso quer dizer que não podemos arranjar umas gajas? – Pergunta Geraldus, levando logo de seguida uma pancada de Plínio. – Então?! Nunca ouviste dizer que perguntar não ofende?
E assim lá foram os três, para a floresta das Amazonas. O primeiro passo era alcançar o covil das Amazonas, no centro da floresta. Começaram a atravessar a floresta densa, encontrando no caminho diversos esqueletos espetados em armadilhas.
- Pela via das dúvidas, é melhor ires à frente Geraldus! – Diz Plínio.
- Eu? Porquê? – Pergunta o treinador, indignado.
- É fácil. Eu tenho que acabar os trabalhos. E aqui o Juristus tem que validar a prova, tipo Jogos Sem Fronteiras, portanto se alguém aqui é dispensável és tu!
Lá continuaram, com Geraldus a abrir o caminho, sempre a queixar-se. Ora era do calor, ora do frio, ora dos espinhos afiados que quase o trespassavam, Geraldus tinha sempre algo para dizer. A meio do caminho pareceu-lhes ver alguém a observá-los por entre os arbustos.
- Esperem lá, acho que está ali alguém… - Diz Juristus.
- Não te preocupes, - Continua Geraldus. – Se forem as Amazonas elas vêem o Plínio e confundem-no com um urso ou qualquer coisa peluda, não ficarão alarmadas.
- Espero que não fiquem mesmo… Já ouvi dizer coisas bastante más das Amazonas.
- Ah, gajas… Estão é a precisar de amor. E respeito. Precisam de um homem! – Exclama Geraldus.
- E onde é que ele está? – Pergunta Plínio.
- Estamos muito engraçadinhos. Oh Juristus, porque é que estás aí sentado a comer?
- Por nada, é que o Menditus mandou-me um pacote de pipocas e disse para quando vocês começassem a falar que eu me sentasse e ficasse a ouvir, porque valia a pena. E vale mesmo. Continuem, continuem…
Geraldus e Plínio olharam um para o outro e decidiram continuar. Avançaram mais umas horas, e, por entre as árvores, conseguiam avistar o aldeamento das Amazonas. Elas dançavam à volta de uma fogueira enquanto cantavam.
- Chiu, ouçam lá… O que é que elas estão a dizer? – Pergunta Juristus.
- Não sei, parece que cantam qualquer coisa com “AK-MAN-BEAR” vezes e vezes sem conta.
- Parece algum tipo de ritual. Acho que é boa ideia avançarmos agora. – Diz Plínio.
- Sim, concordo… Aquela casa parece a da Rainha das Amazonas. Não vejo ali nenhuma das dançarinas que se destaque, portanto a Rainha deve estar na sua casa. Tu avanças por trás, e entras na casa. Eu e o Juristus ficamos aqui para o caso de alguma coisa correr mal.
- Ou seja, deixem-me recapitular – Diz Plínio – Eu vou entrar sub-repticiamente num acampamento cheio de mulheres guerreiras, para recuperar um cinto, e vocês vão ficar aqui a ver as guerreiras seminuas a dançar à volta da fogueira enquanto uivam e comem pipocas?
- Nem mais! – Responde Geraldus. - Juristus, roda lá as pipocas. Vê-me só aquela!
- Eu vou andando, então…
Lá seguiu Plínio, contrariado, por trás das árvores, tentando aproximar-se da casa da Rainha. Plínio estudou o padrão da dança das Amazonas, para poder avançar quando elas se encontravam de costas. Plínio avançou, mas não conseguiu evitar parar uns segundos para observar as curvas perigosas das guerreiras.
- Mas o que é que ele está a fazer?! – Pergunta Geraldus, preocupado. – Avança! Avança!
- Não vês que elas estão ali de costas, dobradas para ele? Ele está a modos que hipnotizado. Além do mais, dali vê-se melhor.
- Podíamos ir para lá também!
- Também acho. Vamos. – Diz Juristus, enquanto guarda as pipocas.
Quando iam a descer, o canto das guerreiras parou subitamente. Espreitaram novamente pelas árvores e viram que elas se encontravam à volta de Plínio.
- AK-MAN-BEAR! – Grita uma delas.
-- O quê? Quem? – Pergunta Plínio.
- AK-MAN-BEAR! – Exclama outra, apontando para ele. Nisto, gritam todas em uníssono.
- AK-MAN-BEAR!
Começam a dançar à volta de Plínio que está altamente horrorizado. Ao terminarem a dança, escoltam-no até à casa da Rainha, sempre com cânticos de AK-MAN-BEAR.
- Raios, o Plínio foi capturado. Temos de salvá-lo!
- Então, não te excites. – Diz Juristus – Eu sou tipo representante do Governo Civil, só vim cá ver como param as modas e tal, não me peças para fazer nada que isso não é comigo.
- Mas, pelo menos, acompanha-me até lá abaixo!
- Sim, isso posso fazer. Sempre se vê melhor as gajas lá de baixo.
Plínio foi levado até à sala onde se encontrava a Rainha das Amazonas. Algumas guerreiras permaneceram na sala, acendendo umas velas que lá se encontravam, enquanto outras tapavam a sua visão..
- Quem ousa interromper o meu banho?! – Pergunta a rainha, furiosa.
- Rainha suprema, encontrámos AK-MAN-BEAR! A profecia estará prestes a realizar-se.
A rainha levanta-se do banho, que estava localizado atrás de um biombo, e arranja-se, dirigindo-se depois para o trono.
- Mas que boas notícias me trazes! Tragam até mim AK-MAN-BEAR!
As guerreiras desviam-se Plínio vê a Rainha, com o seu cinto, sentada no trono.
- Tu! És AK-MAN-BEAR!
- Eu? Sou Plínio Plagius o gladiador!
- Não, és AK-MAN-BEAR! A profecia diria que, numa dia de festa, viria da floresta AK-MAN-BEAR, e que ele levaria a Rainha das Amazonas até ao homem com que iria casar.
- Mas, porque dizes, Rainha, que eu sou esse tal de AK-MAN-BEAR?!
- Retira a parte de cima da tua armadura, gladiador…
Plínio assim o fez, e mal os pêlos ficaram expostos ao ar, as guerreiras gritaram:
- AK-MAN-BEAR!
- Estás a ver, gladiador, tu és AK-MAN-BEAR. A profecia irá cumprir-se!
- Mas o que é AK-MAN-BEAR?! – Pergunta Plínio, assustado.
- É um termo antigo da nossa tribo, para “Aquele Com Pelo de Urso”.
- Ah, está certo…
- Então, Plínio, se esse é o teu nome, onde está aquele com quem irei casar?
- O Menditus não me tinha falado em nada disto… - Diz Plínio, confuso.
- Quem é esse Menditus de quem me falas? É com esse que me vou casar?
- Não, o Mendi… Sim, sim, é mesmo esse, o Menditus.
- Ah, fantástico. E assim, tal como na profecia, entregarei o meu cinto a quem me entregar o homem com quem irei casar. E tem uma banheira em casa, esse Menditus?
- Sim, tem mais que uma, e, se for preciso, ele manda construir mais porque o Geraldus conhece um construtor, o Arsenius, que faz isso num instante.
- E esse Geraldus, é bom para casar comigo?
- Pensei que quisesse casar com um homem.
- Ah então eu fico pelo Menditus.
- Também acho melhor.
Nisto foram interrompidos por umas guerreiras, que entretanto tinham apanhado Geraldus e Juristus na floresta.
- Estes estavam a ver-nos por entre as árvores.
- Matem-nos! – Ordena a rainha.
- Espere, rainha, eles estão comigo. Eles conhecem o Menditus.
- Ah, então poupem-nos.
- Oh Plínio, quem é ela e como é que ela conhece o Menditus?
- Ela vai casar com ele. – Diz Plínio.
- O quê? Eu deixo-te sozinho dez minutos e tu já arranjaste um casamento para o Menditus? Estás a ver, Juristus? Eu não te disse que andar com ele é tipo andar com uma mulher atrás? Até casamentos arranjas!
- Bom, vejo que tens o cinto Plínio, e como representante legal de Zeus posso dar o trabalho com concluído. Parabéns.
- Tu és o representante de Zeus? – Pergunta a Rainha.
- Sim, sou eu. – Responde Juristus.
- Então eu quero que apresentes uma reclamação a Zeus.
- Pode dizer que eu tomo nota, oh faz favor…
- É que quando o Hércules cá veio nos seus trabalhos, ainda violou umas três ou quatro guerreiras, e estes nem um apalpãozinho. Pensei que o Zeus mandasse cá homens. Mas pronto. Fica a reclamação.
- Está anotada. Voltemos para Roma! – Exclama Juristus.
- Posso também levar uma gaja para mim? – Pergunta Geraldus. – Não é justo, o Menditus não veio e agora tem esta sorte toda!
Ninguém ligou a Geraldus, como sempre. A Rainha abandou o seu trono, entregando-o a uma seguidora da sua confiança e partiu com os três aventureiros para Roma, onde iria conhecer Menditus. Chegaram à nova Biblioteca de Menditus, que ainda estava a ser montada.
- Plínio, Geraldus, Juristus! – Exclama Menditus. – Bons olhos os vejam. Vejo que têm o cinto e… Mas quem é esta?
Menditus ficou visivelmente impressionado com a Rainha das Amazonas.
- Ah, pois, eu queria ter falado contigo antes…
- Então, mas o que se passas?
- Ah, é que, oh Geraldus, explica-lhe lá que eu tenho que ir beber água… - Diz Plínio.
- É a tua noiva, Menditus.
- A minha quê?
- Noiva. É que ali o jeitoso, para resgatar o cinto, teve que arranjar um noivo para a Rainha.
- Já percebi, e o único homem que conheciam era eu. Parece-me bem. Aliás, pelo que consigo ver, parece-me muito bem.
- Rainha, chega aqui. – Diz Geraldus.
- Sim? Ah… Este é o Menditus de que me falavam… Meu noivo.
- Bom, se é tradição e profecia e mais não sei quê, vai ter de ser! – Diz Menditus, ansioso. – Juristus, podes fazer casamentos, não podes?
- Posso claro.
- Então casa-nos. Já. Antes que ela mude de ideias.
- Ora bem, então em nome de Zeus e tal, e perante o direito divino e mais não sei quê, estão casados.
- Fantástico! – Diz Menditus, bastante contente.
- Meu esposo fiel, - Diz a Rainha – diz-me, tens uma banheira nos teus aposentos?
- Tenho, porquê?
- Preciso de me banhar…
- Er… Então, vocês continuem as obras que eu volto… Hmm, daqui a uns dias. Diz-me Rainha, minha esposa, tens um nome?
- Vénus… Diablo.
- Hmmm, está bem, original e tal, gosto, gosto…
E lá foi Menditus para os seus aposentos, com a sua nova esposa. Quando a biblioteca ficasse montada e quando toda a gente estivesse disponível, chegaria a altura de partir para o próximo trabalho… O concurso de literatura com o Poeta Imperceptibilus.

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