XVIII - Tu Si Hic Sis, Aliter Sentias

Geraldus acordou sobressaltado a meio da noite. Olhou para a janela, ainda via a nuvem de fumo sobre Roma.
- A chama era tão bonita… - Disse para si mesmo, deitando-se depois para o outro lado.
A verdade é que não esquecia as palavras da Deusa. Porque tinha sido ele o escolhido? Tinha sido um grande gladiador, pouco ortodoxo, mas grande, mas nunca tinha demonstrado assim um rol de virtudes que levasse as pessoas a considerarem-no material digno de ser herói. De entre tantos, porquê ele? Conseguiu, com esforço, adormecer, acordando só umas valentes horas depois, já com o sol bem alto e com os companheiros da biblioteca à porta de casa dele, à espera para partirem para Creta.
- Então, eu já ia ter à biblioteca! – Diz Geraldus, enquanto arranjava o cabelo.
- Qual biblioteca? – Diz Menditus. – Ah, espera, aquela que ardeu? Tipo, como Roma toda?
- É realmente uma pena… - Diz Geraldus. – Aquele Nero… Talvez goste de ver chamas… Não o censuro, se for o caso.
- E melhor nem falarmos disso não é Geraldus?
- Concordo contigo. Hoje é um dia novo, grandes coisas nos esperam, em Creta. Plínio, queres passar pelo velhinho do jardim, pelo caminho?
- Não. E não tem piada. Mas gostava de ver Sócrates. Estou a precisar de uns conselhos.
- Porquê, estás com dificuldades na barba? – Pergunta Gaius.
- Não, é mais uma questão de ética…
- Ética, lá está ele com a ética e os seus princípios! – Diz Geraldus.
- Já agora, o que é que a Deusa queria de ti? – Pergunta Menditus.
- Responde lá Geraldus, tu andas muito misterioso… – Diz Plínio.
- A Deusa pediu-me segredo, tenho de respeitá-la. Não que seja hábito respeitar as fêmeas, mas quando a fêmea em questão é uma Deusa e tem poderes mágicos e mais não sei o quê… É uma questão de sobrevivência.
- Tu lá sabes homem, tu lá sabes…
Partiram para Creta, pois era lá que se encontrava o próximo trabalho. Iam ter que subjugar o Touro de Creta, para que este pudesse ser enviado para aumentar a colecção bovina de Zeus, famoso apreciador de vacas e afins. Plínio não percebia qual era a dificuldade de apanhar um touro, mas Gaius rapidamente provou que não era fácil.
- Não é fácil. Decerto que já ouviste falar de Pedritus da Lusitânia?
- Claro! É um famoso toureiro não é?
- Era.
- Era? – Pergunta Geraldus.
- Era. Tentou domar o Touro de Creta, levou uma cornada tão forte que até os descendentes dele, lá para o século XX, a vão sentir.
- Ena pá, isso é muito tempo. Foi assim tão forte? – Pergunta Plínio.
- Consta que sim. Vais ter que ter o dobro da atenção.
- E nós já sabemos a dificuldade que ele tem em fazer duas coisas ao mesmo tempo. – Diz Menditus.
Chegado à Grécia, enquanto Menditus foi procurar livros para a nova biblioteca com Gaius, Edgar e Geraldus foram à procura de engate, e Plínio foi ter com Sócrates.
- Sócrates, meu velho mestre.
- Plínio, bons olhos te vejam. Vejo que a vida te corre bem!
- Então, é a minha aura que o transmite? A minha sinceridade?
- Não. A tua barba… Está bem cuidada. Vejo que te ensinei bem.
- Sócrates…
- Diz, aprendiz.
- Tenho um dilema existencial.
- E que dilema é esse?
- É que, para cumprir os trezes trabalhos e meio de Zeus, vou ter que lutar com o meu mestre.
- Consideras isso errado?
- Sim. Quer dizer. Acho que sim. Ele é meu mestre, ensinou-me quase tudo o que sei…
- E ele tem barba?
- Barba? – Pergunta Plínio, confuso.
- Sim.
- Não, não tem barba, porquê?
- Ah! Então mata-o! Não tenhas remorsos! Esse pessoal imberbe, esses meninos, dá lhe cabo do canastro.
- Mas e a humanidade, a ética?
- A barba! Os pêlos! A cera! Um homem que não os cultive não merece viver.
- Eu vou-me embora…
- Antes de ires, Plínio… O Aristóteles mandou-te um beijinho. E depois babou-se mais um bocado e caiu para o lado. Sempre na mesma, o velho Aristóteles, danado para a brincadeira. E para as criancinhas. Plínio?
Mal Sócrates falou em Aristóteles já Plínio descia as escadas da Civitas Universitárias, a caminho do local onde tinham combinado encontrar-se. Menditus já lá estava, juntamente com Gaius, consultando uns livros que tinha comprado. “Nintendus Wii” e “Playstationus III”. Plínio não sabia do que se tratava, mas se Menditus os estava a ler é porque seriam certamente interessantes.
- Então? Pareces cansado? – Observa Menditus.
- Eu? Corri um bocadinho. Tinha saudades de correr aqui em Atenas. Já vi que compraste uns livros.
- É verdade, muito proveitosa aqui a Grécia, sim senhor. Não dou o meu tempo por perdido.
- Ainda bem que assim é. O Edgar e o Geraldus?
Menditus não soube responder, limitou-se a abanar os ombros. Não fazia ideia onde eles se encontravam, e eles também não.
- Oh Edgar, acho que estamos perdidos. E ainda não arranjámos febras!
- Isto está mau está. Aqui o Planeta Solitarius dizia que devíamos ter virado à direita, ali ao pé do Parthenon, mas já vi que virámos à esquerda.
- Cá para mim trouxeste foi o Spartacus, e daqui a nada estamos no meio de um bacanal abichanado.
- Tas doido ou quê?! Vamos é voltar para trás e ver se encontramos o caminho de volta para o local de encontro. Temos que chegar a Creta ainda hoje.
- Olha, uma Pharmacia! – Diz Geraldus, felicíssimo. – Fantástico, estava mesmo a precisar de uns hidratantes para as mãos e reafirmantes para a face.
- Hidratantes para as mãos, - Diz Edgar, imitando a voz de uma mulher. – Reafirmantes para a face! Ui princesa!
- Não gozes… As mulheres gostam de gajos suaves como eu.
- Entra lá e despacha-te, que eu fico aqui fora. Ainda me pegas qualquer coisa. Geraldus entrou, envergonhado, e dirigiu-se ao balcão.
- Bom dia, hm, queria um creme para as mãos.
- Esse sotaque… És de Roma?
- Sou. E tu também és, vejo…
- Também sou, e gostava muito de voltar para lá… Mas não há sítio para abrir a farmácia lá…
- Sabes que Roma ardeu violentamente, há muito espaço agora.
- Ai sim? Mas isso é fantástico!
- Não é por nada… Mas fui eu que incendiei Roma. Não é para me gabar, longe de mim, mas fui eu que deixei uma vela acesa. Coisas de homem, sabes como é. Fogo e tal.
- Estou impressionada… Sou a Margarita, e tu?
- Geraldus, o gladiador. Margarita… Nome de pizza. Tu és a pizza, mas eu é que tenho os tomates! – Diz Geraldus, enquanto se ri nervosamente.
- Um gladiador… Ainda por cima engraçado. Não conhecia nenhum gladiador que usasse cremes para as mãos. Mas toma lá… Pode ser que nos encontremos em Roma.
Geraldus saiu, encontrou Edgar e dirigiram-se rapidamente para o local de encontro.
- Oh Geraldus, tu nem na Grécia chegas a horas para nada! – Diz Menditus, chateado.
- Enganámo-nos a ver o guia.
- Pelo menos a viagem foi proveitosa? – Pergunta Plínio.
- Nada. Mas pronto.
- Estará o grande Geraldus a perder qualidades? – Interroga Menditus.
- Não, nada disso! Então, tento na língua! As mulheres de hoje em dia… Não sei… São muito oferecidas. Eu gosto da luta, da conquista, sou um gladiador, raios!
- Descansa que vais ter luta vais… - Diz Gaius, perante o ar assustado de Geraldus.
Partiram para Creta, aproveitando para descansar um pouco durante a viagem. Quando chegaram encontraram-se com um guia de Creta que era conhecido de Plínio, dos dias do Interralius, e este levou-os até à arena onde costumava aparecer o Touro de Creta. Durante o caminho o guia foi explicando o que era necessário para entrar na arena e vencer o touro. Primeiro que tudo, era necessário Plínio vestir um fato de “toureirus”. Era um fato amarelo, rosa e verde.
- Esse fato é mesmo a tua cara! – Diz Geraldus, tentando conter o riso.
- Sim, Plínio, esse fato fica-te… Hmmm… Bem… - Diz Menditus, virando a cara.
- Fica bem, não fica Gaius? – Diz Edgar, usando a capa para tapar os olhos.
- Fica pois... E os pêlos a saírem para fora da lycra dão um ar másculo à coisa… E as bandarilhas a combinar também ajudam…
Não conseguem evitar o riso e riem-se perdidamente deitados no chão agarrados à barriga.
- Gozem, gozem, mas eu sou o único homem que vai ali para dentro domar o touro.
Eles nem sequer ligavam ao que Plínio dizia. Com muito esforço lá conseguiram dar a capa a Plínio e colocá-lo dentro da arena. O jovem gladiador ficou algum tempo a olhar para as roupas e para a capa, deixando as bandarilhas no chão. Edgar, mestre da alquimia, tinha preparado uma poção que iria adormecer o touro, mal ele fosse picado com as bandarilhas.
- Oh jeitoso! – Grita Geraldus da bancada – Assim já sabes o que é estar numa arena! É quase como se fosse o coliseu!
- Quase. – Diz Plínio resignado.
- Quase, porque no Coliseu vais estar vestido à homem!
Plínio olhou novamente para as roupas e suspirou. As portas abriram-se e surgiu a enorme e ameaçador silhueta do touro.
- Vai começar, caraças! Edgar, passa as pipocas! – Diz Geraldus, enquanto se acomoda no lugar. – Epá, adoro espectáculos. Força Plínio! Entretém-nos!
- Espero que ele tenha uma força de leão… - Diz Menditus, preocupado.
O touro entra na arena, e começa a passear descansado.
- Eh touro! Touro lindo! – Grita Plínio.
- O que é que raio ele está a fazer? – Pergunta Edgar.
- Fui eu que lhe disse para dizer aquilo. Pode ser que resulte! – Diz Geraldus. – Anda touro!
- Mas é suposto tu torceres pelo Plínio! – Diz Menditus.
- Eu não tenho clube. Defendo o espectáculo. Desde que o vencedor seja justo.
O touro, parecendo ofendido com os gritos de Plínio, carregou sobre ele, fazendo com que Plínio batesse em retirada, debaixo dos assobios de Geraldus. O touro voltou a carregar, e desta vez Plínio escorrega, por causa das dificuldades que o fato lhe criava, e cai no meio da arena, indefeso. Os seus companheiros saltam da bancada e correm para a arena, tentando chegar antes do touro que avança violentamente sobre Plínio. Quando tudo indicava que o touro ia dar a cornada fatal, este salta para as costas de Plínio e tenta acasalar com ele. Os quatro param e ficam a observar o triste espectáculo, enquanto Plínio gritava por misericórdia.
- Olhem lá… Talvez não devêssemos interromper… - Diz Geraldus enquanto ri. – O amor não escolhe idade. Nem raças.
- E agora? O que fazemos Menditus? – Pergunta Gaius.
- Eu sei lá… Nunca tinha visto nada disto na minha vida.
- Temos de ajudar! – Grita Edgar. – Sigam-me!
Ao chegarem ao pé de Plínio, Menditus e Gaius tentaram tirá-lo debaixo do touro, enquanto Geraldus e Edgar tentaram puxar o touro para trás. Plínio parecia hipnotizado, e assim que se conseguiu erguer, olhou para Geraldus.
- Touro! Touro! – Diz Plínio, enquanto corre atrás de Geraldus, espetando-o com as bandarilhas.
- Ai! – Grita Geraldus, que cai adormecido no meio da arena.
Plínio, com a ajuda de Gaius, consegue ver o touro, que entretanto perseguia Menditus, e consegue espetar-lhe uma bandarilha.
- Olé! – Grita Plínio!
O Touro cai desamparado na arena e Plínio coloca uma rosa na boca e saltita pela arena fora, fazendo vénias para o público imaginário. Geraldus abre um olho e vê a exibição de Plínio e volta a desmaiar. Carregaram o touro para a carroça e depois carregaram Geraldus. A viagem iria demorar mais tempo, mas pelo menos não tinham Geraldus para dizer coisas sem sentido. Com o carimbo no pergaminho, puderam seguir descansados para Roma, onde iriam planear a próxima viagem. Destino: a Floresta das Amazonas.

1 comentário:

Sr. Jurista disse...

Isto está aqui um belo texto, sim senhor!!!seres superories é assim:)lol
entao e eu tenho direito a personagem ou nem por isso?

Um abraço Sr. Bastonário