XVI - Praestat Exorari Quam Perire Funditus

Depois de mais uma manhã de trabalho, Plínio esperava ansiosamente pela chegada de Geraldus, para depois, em conjunto com Edgar, Gaius e Menditus, partirem para o Egipto, em busca do Ceptro de Rá. Plínio não sabia muito acerca do Ceptro de Rá, mas também já estava habituado a só lhe explicarem as coisas em cima da hora.
Geraldus chegou, carregado de malas, à biblioteca:
- Alguém me dê aqui uma ajudinha, faz favor, que estas omoplatas valem ouro…
- Vamos lá ajudar o homem antes que ele se desmonte. – Diz Menditus.
- Mas, ouve lá, porque é que trouxeste isso tudo? – Pergunta Plínio, admirado.
- Então, porque é que trouxe… Você… Então, roupa. É importante numa viagem. E produtos para a pele, porque está calor e há mosquitos no Egipto. E produtos para o cabelo. Achas, - Pergunta Geraldus. – Achas que este cabelo aparece assim, do nada?
- Eu não acho nada, só acho que, com tanta coisa, nunca mais lá chegamos.
- Sim, o tempo urge. – Diz Menditus. – Geraldus, tens de levar apenas o essencial: água.
- Água? Água? E achas que é com “água” que vou conquistar as gajas egípcias? Vocês… Como é que descuram as gajas?
- Geraldus, nós não vamos para o Egipto para ver gajas, vamos os cinco para conseguirmos superar esta tarefa, talvez a mais difícil de todas as tarefas. E tu falas em gajas?
- Então, a gaja comanda a vida. Nunca ouviram dizer?
- Pensei que fosse o sonho… – Diz Plínio.
- Só se for um sonho com gajas! – Responde Geraldus.
Preparam tudo para sair, Menditus fechou a livraria, e fizeram-se ao caminho. Seguiam para a zona das Pirâmides, local privilegiado para o turismo.
Caminharam então ao longo do Nilo, sabendo que este os levava ao sitio que desejavam. A lua estava cheia e ia bem alta, e o único barulho que se fazia ouvir era o da passagem do rio.
- Sinto algo de estranho.... – Diz Plínio, olhando em volta.
- Ah, isso depois de uma ou duas lavagens passa. – Diz Geraldus.
- Não, não é nada disso. Há alguma coisa aqui que não bate certo. Não se ouvem animais... Vento... A única coisa que se ouve é a água a passar...
- Então, inteligência, estamos no meio do nada. Nada. Tão longe que quase, atenção, quase, não se ouvem as gajas a gemer por mim. Mas ainda dá para ouvir.
Apressaram o passo e entraram no deserto, seguindo os cálculos precisos de Gaius. A caminhada duraria, no máximo, até ao nascer do Sol. Mas era imperativo não parar.
- Eh, então, vá lá, vamos lá parar um bocadinho... – Implora Geraldus. – Olhem para mim... Estou a definhar... O meu corpo de Deus grego... Não posso ser tratado assim...
- Corpo de Deus grego? Acho que estás é com miragens. E o sol ainda nem sequer nasceu.
- A sério, quem é que no seu perfeito juízo vem para o Egipto? É só areia. Se quiser ver areia vou para a praia. E sempre posso exibir os músculos.
- Então e a herança cultural? – Pergunta Menditus. – As pirâmides?
- Não sei onde se localizam esses músculos, mas posso assegurar-te que as minhas coxas estão bem tonificadas.
- É inútil contrariar este homem...
- Nada nem ninguém me pode calar porque eu... Aiiiii!
- Então?! Que é que se passa? – Pergunta Plínio.
- Estou a afundar-me. Areias movediças! Ajudem-me!
- Ele está mesmo a afundar-se! Ajudem aqui! – Diz Edgar.
- Esperem, não se aproximem dele. – Diz Gaius, cauteloso. – Podemos todos ser puxados se lá formos.
- Eu, por mim, ia já embora. Sempre era menos um a beber água. E com a boca cheia de areia ele não pode dizer parvoíces. Eu voto que ele fique ali. Depois quando voltarmos, desenterramo-lo. – Diz Menditus.
- Então, então! Então! Eu sou precioso! Eu sou insubstituível! Precisam de mim!
- Porquê, vais afugentar os perigos com as parvoíces que dizes? – Pergunta Plínio. – Eu, por mim, deixo-o aí. Já treinei o suficiente...
- Então, miúdo? Eu sou quase um pai para ti! És a filha que eu nunca tive!
- É por essas e por outras que eu não me arrisco a tirar-te daí...
- O Gaius tem razão, não podemos arriscar ficarmos todos enterrados na areia. – Diz Edgar. – Preciso de recorrer à magia para removê-lo dali...
- Sim! Magia! – Diz Geraldus, já enterrado até ao peito. – Si cariño e coiso e tal! Dá-lhe Edgar!
- Oh Geraldus, não te assustes se sentires umas picadas nos pés, são apenas os escorpiões.
- Mas eu ainda não senti nenh... Ah! O que é isto no meu pé?!
- São os escorpiões. – Diz Gaius, tentando conter o riso.
- Oh Edgar, anda lá com isso homem! A humanidade não pode arriscar perder alguém como eu! Se me tirares rapidamente deixo-te sentir os meus glúteos!
- Afastem-se... – Diz Edgar, enquanto pousa a capa no chão.
Os outros três afastaram-se para trás de uma duna e ficaram a observar a magia de Edgar.
- Ena pá, o que eu gosto disto! – Diz Plínio. – Agora é aquela parte em que ele diz “ah não sei quê e tal los pantallones” e aparece uma gaja boa!
- É fantástico. – Diz Menditus.
Edgar acendeu as suas velas, espalhou um óleo à volta da areia movediça, ajoelhou-se no meio das velas e começou a sua reza.
- Ya, ruf mich an, neun sechs sechs, neun neun, sechs sechs, ich will dir, ruf mich an!
Plínio, Gaius e Menditus abriam a boca de espanto enquanto uma espécie de ciclone se formava à volta de Geraldus, levantando o das areias movediças que o sugavam para baixo.
- Caraças! – Diz Geraldus. – Não era assim tão sugado desde aquela tarde em Roma!
- Tu és o cúmulo da decadência humana, Geraldus. – Diz Plínio.
- Estás bem Geraldus?
- Estou Menditus, um bocado dorido, mas bem. Edgar, obrigado! Venha de lá esse abraço, anda lá sentir os meus glúteos.
- Não obrigado! Fico-me pelo aperto de mão! – Diz Edgar, encolhendo-se.
- Ah, vá lá, eu sei que queres. Sente como são rijos. Plínio, sente os meus glúteos e diz ao Edgar como são rijos.
- Há por aí mais areia movediça? – Diz Plínio enquanto vai olhando à volta.
Voltaram ao caminho e já viam a Esfinge ao longe.
- Que é aquilo? – Pergunta Geraldus, visivelmente impressionado.
- É a Esfinge. – Responde Gaius.
- Esfinge? – Pergunta Geraldus. – Não sei quem era a gaja que serviu de inspiração para estátua. Mas gosto da posição dela, aposto que gostava de cenas alternativas, digo-vos já.
- E aquelas construções, são as famosas pirâmides? – Pergunta Plínio.
- São, Plínio. – Responde Menditus. – E aquela maior, a do meio, é onde supostamente se encontra o ceptro de Rá.
Já na base da pirâmide, sentaram-se nos primeiros degraus, aproveitando para descansar e planear o próximo passo.
- E agora, como é que entramos? – Pergunta Plínio.
- Há uma magia que faz esta pirâmide abrir-se e revelar a sala secreta onde se encontra o ceptro.
- Magia é com o Edgar! – Diz Geraldus. Vá lá, abre lá o portal e manda vir outra vez aquela Deusa jeitosa. Se ela aparecesse ias ver, dizia logo que desta vez era eu que a espetava com a minha seta mágica!
- Bem, eu vou tentar calcular o ângulo do sol quando este nascer, e procurar possíveis entradas. – Diz Gaius.
- Eu vou aproveitar a pausa para começar a escrever o meu diário de viagem.
- Como é que vais escrever? – Pergunta Geraldus. – Aqui não há nada para plagiares!
Plínio afastou-se um bocado e sentou-se ao pé de Menditus e Edgar, que estavam a observar as outras pirâmides e começou a escrever. Menditus reparou que o jovem gladiador estava a escrever.
- Então Plínio, estás a escrever? Muito bem.
- Sim, Menditus, queria fazer um diário das nossas aventuras. Já escrevi um bocado, queres ler?
- Deixa cá ver... Oh Plínio, eu não percebo nada do que está aqui escrito. Oh Edgar, vê lá isto. A letra dele é mesmo muito má!
- Catano! Não percebo nada. Deixa lá tentar ler isso.
Entretanto Geraldus estava a observar os cálculos de Gaius.
- É inútil, não há maneira de calcular isto...
- Deixa lá Gaius, vais ver que eu abro isto num instante. Queres ver? – Geraldus começa a fazer vénias para pirâmide e a juntar as mãos como se fosse rezar, falando com a sua habitual voz fininha. – Oh pirâmidezinha, abre-te lá, tu és feminina, és “a” pirâmide, logo, irás abrir-te perante Geraldus como todas as outras gajas femininas!
Ao mesmo tempo que ele disse isto, Edgar tentou ler a escrita imperceptível de Plínio, e uma porta abriu-se na parede da pirâmide onde estava Geraldus, mostrando um enorme corredor escuro.
- Consegui! – Grita Geraldus.
- Mas que raio?
- Vês Gaius, eu não disse? Eh! Pessoal, venham cá, isto abriu.
Os outros aproximaram-se a acenderam o único archote que tinham, e prepararam-se para entrar no túnel.
- Eu entro primeiro! – Diz Geraldus, chegando-se à frente.
- Vais arriscar a tua vida para ver se é seguro nós entrarmos? – Pergunta Plínio, sensibilizado.
- Qual quê! Fui eu que abri a gaja, sou o primeiro a entrar! Fiquem aí e ouçam-na gemer!
Geraldus entra na pirâmide e a porta fecha-se.
- Ui! Queres ver que a gaja quer só a mim? Brutal.
Os outros ficaram lá fora sem saber o que fazer.
- Geraldus, consegues ouvir-me? – Grita Gaius.
- Sim, consigo...
- Procura aí de lado, deve haver um mecanismo de abertura.
- Espera lá... Isto está tudo escuro. Não vejo nada!
- Tens de usar as mãos! Sente as paredes!
- Mas... As minhas mãos! – Diz Geraldus, preocupado. – Eu deixei os meus cremes em Roma! Vão ficar todas gastas!
- É a única maneira de nós entrarmos e tu saíres! – Grita Plínio.
Geraldus fez o ar mais enojado que conseguiu e foi apalpando as paredes, enquanto ia pedindo desculpa às suas mãozinhas. A porta abriu-se, finalmente, e entraram todos, já com o archote a guiar o caminho. O local era altamente labiríntico, mas eles decidiram andar sempre juntos, para não se perderem. Depois de muitas voltas encontraram uma câmara com umas inscrições.
- Ah, os famosos hieróglifos. – Diz Gaius.
- Eu consigo ler isto!
- Consegues Geraldus?
- Sim! Queres ver? Ora bem, aqui diz: “pássaro pequeno, pássaro grande, homem virado para esquerda, milho, pássaro de asas abertas, mulher virada para a direita, olho, olho, milho, pássaro grande.”
- E isso quer dizer o quê? – Pergunta Gaius.
- Não faço ideia. Não disse que percebia o sentido.
Espreitaram para câmara e lá estava no centro da sala, o Ceptro de Rá.
- Isto não vos está a parecer fácil de mais? – Pergunta Plínio.
- Deixem-se lá de mariquices e vamos lá a entrar, faz favor. – Diz Geraldus.
Entraram cuidadosamente, observando tudo o que se encontrava na sala. Havia diversos tesouros, mas eles queriam apenas o ceptro. Geraldus ainda tentou meter uns colares de ouro ao bolso, mas foi prontamente impedido por Gaius. Chegaram perto do Ceptro, olharam uns para os outros e decidiram que seria Plínio a retirar o Ceptro. Plínio retira-o, de olhos fechados, mas nada acontece.
- Bem, podemos ir embora. – Diz Plínio, satisfeito.
- Espera lá, o teu pergaminho ainda não está carimbado... – Diz Edgar.
O archote apaga-se, misteriosamente, a porta fecha-se e o tecto, de onde surgem uns ameaçadores espigões, começa a descer sobre eles.
- Plínio, coloca lá o Ceptro!
- Está bem Gaius! – Diz Plínio, enquanto coloca o Ceptro. Mas este gesto de nada serviu, pois o tecto continuou a descer. – Não resultou! E agora?!
- Deitem-se todos!
Agora todos no chão, iam olhando à volta à procura de algo que pudesse fazer com que o tecto parasse de descer. Edgar viu um orifício na parece, e espreitou por ele, vendo uma alavanca do outro lado. Devia ser o controlo do mecanismo, mas não havia ninguém que conseguisse passar ali a mão. Até que se lembrou.
- Plínio! Chega te aqui! Chega aqui a tua barba!
Edgar enfiou a barba de Plínio no orifício e com algum jeito conseguiu puxar a alavanca, fazendo com que o tecto parasse de cair. A porta abre-se e eles saem a rastejar. O caminho por onde tinham vindo estava agora bloqueado, tinham de procurar uma nova solução. Seguiram pelo primeiro corredor que encontraram, e este estava cheio de armadilhas. Geraldus saltou para o colo de Menditus, e Plínio ia usando a barba para encravar os mecanismos das várias rodas dentadas e espigões que iam surgindo das paredes.
- Somos uma bela equipa! – Diz Geraldus.
- E tu no que é que contribuis para a equipa? – Pergunta Menditus, quase a cair com o peso de Geraldus.
- Contribuo para a beleza! E inteligência! E força!
- E modéstia. – Observa Plínio.
Conseguiram sair, mesmo antes da última porta se fechar. O pergaminho estava carimbado, estava na hora de descansar. Regressariam a Roma dentro de dois dias, para continuar na senda dos treze trabalhos e meio. A época de lutas no Coliseu estava quase a começar e Plínio tinha que ter tudo pronto antes do início, para se poder preparar.

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