XIII - Requiescat In Pace

Agora sim Plínio compreendia a magnitude do horário Repartidus. Depois da extenuante viajem ao território das Parcas e do regresso ao trabalho para mais uma sessão de devoluções, Plínio estava de rastos. Antes de adormecer ainda se lembrou das palavras das Parcas: Não és imortal. Ele sabia isso, sempre soube, mas nunca tinha sido confrontado tão duramente com isso. Adormeceu, devido ao cansaço e, como não podia deixar de ser, acordou atrasado. A sua mãe, furiosa com o atraso, não demorou a acordá-lo:
- Plínio! Mas agora é todos os dias?! – A fúria era audível na sua voz.
- Não sou imortal… - Murmurou Plínio.
- Ai pois não és! E quando eu puser as mãos em ti ainda vais ser menos! Anda cá!
Plínio levantou-se, colocou a armadura duma só vez e fugiu pela casa fora. A sua mãe perseguia-o enquanto ele se ia retocando, saindo aos trambolhões de casa.
- Vai já trabalhar! – Grita a mãe – E não te atrevas a voltar sem estar tudo pronto!
Plínio nem sequer respondeu, pois estava demasiado ocupado a correr. E toda a gente sabe a dificuldade que Plínio tem em efectuar duas actividades ao mesmo tempo.
Chegou à biblioteca onde estava Menditus e Edgar, preparando a sua nova missão.
- Ora bem Plínio, como é que isso vai? – Pergunta Menditus.
- Vai bem…
- Hmmm.. Olha, tens a barba enrolada na armadura. Que está ao contrário.
- Ah. É uma velha táctica de guerra.
- É?
- É pois. É a conhecida táctica da “barba-enrolada-na-armadura-ao-contrário”. É uma coisa milenar, normal em tácticas de gladiadores.
- Vejo que a companhia do Geraldus está a dar os seus frutos…
- Plínio, - Intervêm Edgar – Eu e o Menditus estivemos aqui a estudar o teu próximo adversário e desde já te digo: não vai ser fácil. Mas desta vez sou que vos acompanho até ao local do confronto.
- Confronto? – Pergunta Plínio, desconfiado.
- Sim, confronto. O Coraçãozinho de Seitan é um guerreiro nato. As informações são poucas, mas do pouco que sabemos garanto-te que ele tem sido invencível. Porque só há uma maneira de o vencer.
- Então porque é que ninguém o venceu antes?
- Porque ainda ninguém teve coragem nem estômago para o fazer. Especialmente estômago.
- Bom, chega de conversa. – Interrompe Menditus – Plínio, o tempo urge. É necessário mais devoluções. Eu, erm, tenho que organizar a secção das encomendas, sim, é extremamente necessário.
- Assim o farei, Menditus.
- Quando o Geraldus chegar vem ter comigo, Plínio.
A manhã passou rapidamente, pois Plínio estava bastante entretido. Geraldus chegou, com cara de doente e bastante ensonado.
- Ah Mestre Geraldus, bons olhos te vejam! Hoje temos luta! Combate! A tua área!
- Epá.. Não vem nada a calhar… Dói-me a garganta… E doem-me as costas… Estou que não posso – Diz Geraldus, enquanto vai bebendo o seu leite.
- Vais abandonar-me outra vez? – Pergunta Plínio.
- Nada disso..: Apesar de moribundo, faço um esforço quase sobre humano e vou ficar no teu canto a dar-te indicações. Sou útil.
- És útil és, especialmente na parte em que vais ter que raspar os meus restos lá da arena.
- Não sejas assim, eu tenho fé em ti. Além do mais, fui eu que te treinei. Está garantido. Consta, aliás, que apostei dinheiro em ti na BetAndWinus, a famosa casa de apostas da Gália.
- Então, tudo pronto? – Inquire Edgar, já envolto na sua mística capa negra. Temos de alcançar a Arena do Dragão enquanto for de dia. O feitiço só funciona de dia.
- Sou a favor disso, siga para lá!
- Boa Sorte! – Exclama Menditus. – Geraldus, assegura te que ele volta inteiro. É difícil fazer devoluções só com um braço.
Puseram-se a caminho, alcançando a arena em pouco tempo. Era num local abandonado, desértico, longe de tudo e todos. Não se ouvia qualquer barulho, quer de homem quer de animais. Era um local onde reinava a paz.
- Que silêncio – observa Plínio, maravilhado.
- Qual silêncio? Aqui ainda se ouvem melhor as gajas a gritarem por mim! Ouçam!
Edgar e Plínio olharam um para o outro, encolheram os ombros e continuaram a a andar. A Arena do Dragão era um quadrado de pedra no meio do deserto, com 50 metros de lado e com estátuas nos quatro cantos. Edgar caminhou até meio do quadrado para fazer a sua magia, a magia que iria trazer Coraçãozinho de Seitan para o mundo dos vivos.
- Agora vocês fiquem ali que isto é uma reza muito poderosa.
- Mas... Edgar, ainda não me explicaste como é que raio eu o venço!
- Ah, não te preocupes, eu já te explico. Já ouviste falar do Kame-Amius?
- Do quem?
- Ainda bem. Então afastem-se, que já conversamos.
Plínio e Geraldus colocaram-se num canto e ficaram a observar Edgar. Este acendeu umas velas, fez um pentagrama dentro de um circulo e começou a reza mística:
- Oh si cariño, tira me llos pantallones, eres mui preciosa!
Plínio e Geraldus estavam espantados.
- O que é que raio ele está a dizer? – Pergunta Plínio, perplexo.
- Não sei, mas pelo som é algo religioso.
- Ahhh…
Edgar acabou a reza e houve uma pequena explosão, ficando tudo coberto de fumo. Os dois levantaram-se fe tentaram encontrá-lo no meio daquele fumo verde, mas em vão. Foi aí que Plínio sentiu um toque no ombro, era Edgar a pedir para eles voltarem para o canto. O Coraçãozinho de Seitan estaria aí a aparecer.
- Será agora que tu vais explicar como é que raio eu o venço?
Antes sequer de ter obtido uma resposta, já Plínio estava agarrado ao peito. À frente deles, de outra explosão, surgiu uma criatura verde à sua frente, flutuando no ar.
- Oh não… - Diz Geraldus.
- Oh sim! – Diz Edgar – Resultou!
- Oh Edgar, - Diz Plínio – Talvez agora seja uma boa ideia explicares-me como é que o derroto e… Espera lá, para que é são essas panelas dentro do teu saco?
- Estas panelas? Para nada… Por enquanto.
- O quê?
- Nada, nada. Ora bem, o Kame-Amius. É isso que precisas para ganhar.
O Coraçãozinho de Seitan ia sobrevoando a arena, soltando guinchos assustadores e lançando o que pareciam ser bolas de fogo na direcção deles.
- Se não se importam eu vou ali esconder, quer dizer colocar-me estrategicamente atrás da estátua para melhor te ajudar, Plínio. – Diz Geraldus, fugindo rapidamente.
- E o Kame-Amius?! – Plínio começava a desesperar, vendo que o seu escudo não aguentava muito mais bolas de fogo.
- Simples. Dá cá a tua barba – Diz Edgar, enquanto sacou de uma serra mágica.
- Então, então?! Deixa lá a barba em paz! Já as Parcas queriam cortá-la!
- Plínio, a barba é o ingrediente principal do Kame-Amius, é só uns centímetros!
- Que remédio não é…
Edgar cortou, com esforço, um pedaço da barba de Plínio, e colocou-a na mão dele.
- Agora é simples, unes as mãos, concentras toda a energia do teu corpo, mais a minha e do Geraldus, e vais criar um campo de energia, que depois de crescer, vais lançar na direcção dele! E ele vai cair!
- E depois?! Morre?
- Não.
- Não?!
- Não. Ele é imortal!
- Então mas…
- Trata de o derrubar, que logo te digo o que fazer! – E Edgar refugiou-se junto de Geraldus.
Plínio começou a desviar-se das bolas de fogo, tentando arranjar espaço para se concentrar e criar a tal bola de energia. Ele começou por achar isto tudo estranho, mas quando se recordou que já falou com Zeus e já passou um serão para as Parcas, talvez não fosse assim tão descabido. Coraçãozinho de Seitan lançava bolas de fogo enquanto guinchava, não dando tempo nem espaço para Plínio se preparar. Plínio viu que só havia uma maneira. Correu até à estátua de Geraldus, puxou-o pelo colarinho, deu-lhe o escudo e lançou-o para o meio da arena.
- Eh, então? Pára! Estás louco! Olha a minha artrose!
- Defende-te. Distrai-o.
- Mas... – Geraldus tentava falar mas era interrompido pelas bolas de fogo de Seitan – Oh, verdinho, calma, calma lá! Já viste estes bíceps? Não queiras danificá-los, irias sentir a fúria de mil mulheres!
A distracção estava a funcionar. Geraldus fugia que nem uma menina através da Arena e o Coraçãozinho de Seitan parecia estar distraído. Plínio concentrou-se, pensou na ética, na retórica, na sua barba, e a bola de energia começou a surgir. A luz era intensa e crescia rapidamente.
- Geraldus!
- E as gajas gostam também dos meus abdominais, toca lá neles, Seitan! O que foi Plínio?
- Mantém o quieto agora! - Com a força da energia, todos os pelos do corpo de plínio ficaram louros e apontavam para cima.
- Ele transformou-se em SuperGuerreirus! Pensei que fosse um mito! - Exclama Edgar.
- Ca vai disto! KAAAAMEEEEE-AAAAAAMIIIIIUUUS! – E Plínio lança o Kame-Amius pelo ar, criando um feixe de energia que atinge violentamente o adversário, fazendo-o cair no chão inanimado.
- Ganhámos! – Plínio e Geraldus correm um para o outro, abraçam-se em pleno ar e dançam.
- Isto é que é o famoso amor entre os homens? – Questiona Edgar.
Plínio e Geraldus afastam-se, engrossam a voz e dizem:
- Ah e tal, bem feito, é de homem e coiso e tal.
E dão um aperto de mão.
- Plínio, ainda não acabou! É agora! – Edgar lança uma panela na direcção deste.
- Uma panela? Madeira? Ingredientes? Mas para que é que eu quero isto? Podemos festejar em Roma!
- A única maneira de derrotares o Coraçãozinho de Seitan… É comer o seu coraçãozinho… de Seitan!
- O quê?!!? - Por isso é que nunca ninguém o venceu. Ele nem luta muito. Só guincha e manda bolas de fogo. Mas ainda ninguém foi homem para o comer.
- Até agora. - Diz Plinio, confiante - Edgar, acende o fogo. Geraldus, passa a manga. Vamos ter Seitan hoje para o jantar. Coraçãozinho, descansa em paz.
- Bem, se não o conhecesse até diria que parece um homem, a falar assim. - Diz Geraldes a Edgar.
Enquanto Edgar e Geraldus continham os vómitos, Plínio ia comendo o seu Seitan com gosto. O carimbo surgiu no pergaminho, e eles podiam voltar para Roma.
- Este Seitan é do melhor, onde é que arranjamos mais disto? Posso guardar para o caminho? Edgar, podes invocar mais um bicho destes?
- Vamos… Embora… - Diz Edgar, por entre vómitos.
- Que manjar dos Deuses! Fossem todos os trabalhos assim!
O problema é que não eram... E o terceiro trabalho era já amanhã...

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