XII - Non Erat His Locus

- Então Plínio Gaspar?! Ainda dormes! – Grita a sua mãe, descontente.
- Epá… Mãe… Nem sabes… Tive um sonho tão estranho… Sonhei que tinha ido para a Grécia, encontrado leões em África, conhecido Jesus, falado com Zeus… E sonhei que trabalhava numa biblioteca de manhã e à noite… - Responde Plínio, por entre bocejos.
- Mas tu estás a trabalhar homem! Levanta-te já, vai buscar o ancinho para escovares a barba e veste-te! E vai trabalhar!
- Mas é verdade? Oh raios…
- Vou contar até três…
- Já vou!
Plínio levantou-se e arranjou-se rapidamente, antes sequer da sua mãe começar a contar. Tinha que se despachar, pois não podia chegar atrasado logo ao segundo dia, especialmente quando Menditus, o livreiro, tinha confiado nele e entregue o mítico horário Repartidus. Plínio correu através do Bairro Irenus, depois pelas ruas de Roma até chegar à biblioteca. Mesmo em cima da hora. Menditus encontrava-se à porta à sua espera.
- Muito bem, a chegar a horas…
- Ah, sim… – Diz Plínio, recuperando o fôlego. – Ainda tive tempo para ir ali, erm… Fazer umas coisas. Pontualidade é comigo. Sou um homem com princípios.
- Já vi que sim, já vi que sim…
- Então o Geraldus, já chegou?
- O Geraldus?
- Sim.
- De manhã?
- Sim.
- Estamos a falar do mesmo Geraldus? Voz esganiçada, membro do sindicato, tarado virtual?
- Nem mais.
- Só por curiosidade, há quanto tempo é que o conheces?
- Há algum tempo…
- Então deverias saber que ele só se levanta, mínimo dos mínimos, lá para as 13 horas…
- Mas pensei que hoje, como íamos começar os trabalhos, ele viesse cedo…
- Jovem Plínio, nem que tivesse Roma a arder… Ele não se levanta antes das 13…
- Ah…
- Bem, mas segue-me que há ali uns livros para devolveres…
- E tu que vai fazer, Menditus?
- Eu, erm, vou ali para o escritório arrumar as Editionius 70. É necessário.
E lá foi Plínio, entusiasmado, fazer as suas primeiras devoluções. O seu olhar iluminava-se quando via as estantes vazias, e quando via os livros a acumular-se no escritório. Menditus parecia concentradíssimo a arrumar os livros das Editionius 70.
- Ora bem, o 1 vem antes do 2… Não, vamos por isto por cores… Não, por título… Plínio, prepara-te, mal o Geraldus chegue partes com ele e com o Gaius para a toca das Parcas.
- E isso onde fica?
- O Gaius logo te explicará.
Plínio continuou a trabalhar, ainda mais concentrado, para tentar conter o nervosismo. Depois das diversas conversas que tiveram na biblioteca, Plínio sentia-se capaz de ultrapassar os desafios… Mas seria imprudente não estar nervoso.
- Ora bem, então o que se faz por aqui? – Diz Geraldus, bem disposto.
- Finalmente! – Responde Plínio.
- Finalmente? Estás equivocado, o meu nome é Geraldus. Mas para ti, jovem, pode ser Prof. Geraldus, o Gladiador pelo qual as mulheres suspiram. Ouçam. Ouçam todos. Sim, atrás do horizonte, elas gemem por mim.
- E vais com ele ter com as Parcas? – Inquire Gaius.
- Ao que parece…
- Vá, já está tudo tratado não é? Gaius, leva-os até ao covil das Parcas. Geraldus, Plínio, boa sorte.
- Obrigado Menditus.
- Agora vão.
Os três saíram em direcção ao norte, seguindo os cálculos de Gaius que, através de pergaminhos antigos, tinha decifrado o enigma que dava acesso ao covil secreto das Parcas. Na base de uma montanha, com o Sol a um ângulo de 60º conseguia ver-se a entrada secreta. Gaius ficou à entrada e indicou o caminho a Plínio e Geraldus.
- É aqui mesmo. Boa sorte para vocês os dois.
- Para os dois? Então que é isso? Eu sou apenas o mentor, a inspiração. O trabalho é dele.
- Então?! Vais abandonar-me nesta hora difícil? – Pergunta Plínio.
- Rapaz, eu não te vou abandonar. Eu vou estar contigo. Mas em espírito. Fisicamente… É perigoso. E se me acontece algo? Olha o meu bíceps. Toca-lhe Plínio.
- Nem pensar.
- Toca lá!
- Já estou a ir…
Plínio entrou no covil, e caminhou até se encontrar numa completa escuridão. Tinha a certeza de que estava num túnel, mas, por muito que tentasse encontrar os limites deste, não sentia qualquer parede. De repente, 5 velas, na forma de uma estrela, acenderam-se à sua volta… E no centro, bem no centro, abriu-se um buraco no chão, por onde Plínio caiu. No fundo desse buraco estava uma sala, sem janelas, coberta de pó, onde se encontravam três figuras de manto negro… Eram elas, as Parcas. Cloto tecia o fio da vida, Láquesis esticava-o e Átropos cortava-o. Representavam o ciclo da vida.
- Mãezinha… - Diz Plínio tremendo os dentes de medo.
As Parcas ouviram a sua voz e voltaram-se, destapando a face. Plínio ficou horrorizado, pois as faces eram apenas osso, sem pele, sem olhos…
- Mãezinha? Oh Átropos, deve ser contigo, porque eu não vejo um homem há séculos!
- Cala-te, Cloto, és mais rodada que o moinho do teu tio-avô.
- Calem-se as duas! – Grita Láquesis – Ele é meu filho. Lembram-se de quando acasalei com o urso? Vejam o pêlo dele. É meu filho! Filho, vem a mim!
- Calma! Eu não sou vosso filho, Deus me livre.
Os olhos das Parcas iluminam-se com chamas.
- Deus me livre, como quem diz não é, não sou vosso filho porque não sou digno. Lá está, não sou digno, é por isso. Deus as livre de ter um filho assim.
- Que é que tu queres? – Inquire Cloto.
- Oh mulher, não vês? Olha para ele. Peludo, inofensivo. É um urso de Peluche. Isto é coisa do Hades… Não desiste daquele história da ménage-a-quatre.
- Aquele Hades deixa-me louca. – Acrescenta Láquesis, enquanto esfrega os mamilos.
As restantes Parca riem-se, perante a incredulidade de Plínio. As Parcas voltam ao trabalho, descansadas.
- Diz lá rapazito, que queres de nós?
- Eu, bem… Zeus mandou-me passar um serão com vocês.
- E que desculpa tens tu para não te matarmos já aqui? É só ali a tesourinha da Átropos cortar um fio e pronto, acabou-se o peludinho.
- Deixa ver, desculpa… Sou solteiro, bom rapaz…
- Solteiro sim, rapaz não sei…
- Até vocês? Até vocês gozam com a minha masculinidade? Pois fiquem sabendo, coisas, que sou bem homem. Até derrotei Jesus num concurso de barbas.
- Isso é, realmente, impressionante. – Diz Cloto, num tom jocoso.
- Sim, ele deve ter te deixado ganhar! – Acrescenta Átropos
- Nada disso. Eu, enganei-o… Eu admito, não é bonito enganar Jesus Cristo Nosso Senhor Que Deus o Tenha, mas ganhei. A minha barba prevaleceu.
- Muito gostas tu da tua barba.
- É invencível.
- Hmmm… Achas que a tua barba é invencível? – Questiona Láquesis.
- Sim. E proponho uma coisa. Vocês fazem esse mambo jambo que gostam de fazer, mas com a minha barba. Que vos parece? Tu desenrolas, tu esticas e tu cortas. Se conseguirem, que quino já aqui – Diz Plínio, enquanto aponta para cada uma delas.
- Primeiro que tudo, peludinho, não acertaste em quem faz o quê. Mas, deixa estar, nós fingimos que não ouvimos. Segundo, és idiota. Não, espera, és parvo. Não, melhor, és estúpido. Ninguém ousa desafiar-nos. E és bronco. E tolo. – Responde Cloto.
- Eu por mim aceito. – Diz Átropos.
- Eu por ficava pela menáge com o Hades – Diz Láquesis.
- Só dizes isso porque o único pedaço de carne que te falta cair é o da co...
- Com um condição, - Interrompe Cloto – se perderes, além de morreres, ficas nosso escravo para a eternidade.
- Aceito.
-Eu até dizia que isso é de homem, mas não gosto de mentir. – Diz Cloto.
Plínio pôs-se a jeito, Cloto começou a enrolar a barba.
- Mas isto nunca mais acaba? – Disse Cloto, visivelmente perturbada com a dimensão da barba de Plínio.
Depois era Láquesis que a esticava.
- Raios! Isto está mais entrelaçado que as minha costelas…
E chegou a hora de cortar…
- Ora bem, tesourinha, em nome do Pai etc. e tal e PIMBA! – Diz Átropos enquanto desfere o golpe letal no fio de barba.
- Então? – Questiona Plínio.
- Pimba. Pimba! Eu disse PIMBA! Corta, tesoura dum raio! – Átropos começava a desesperar. – Tesoura dum raio, nunca mais compro nada no Ikeus, raios partam os Vikings!
Átropos olhava maravilhada para a sua tesoura, completamente torta e inútil.
- Olha-me esta, agora o que é que fazemos? Sem tesoura acabou-se o trabalho. – Diz Láquesis, abalada.
- Vá, não fiquem assim. Com o vosso jeitinho para o ponto cruz podem fazer uns naperons e camisolinhas de lã, para o Inverno. Eu comprava.
- Para quê? – Indaga Cloto – Tu tens mais pêlo que dez ovelhas!
- Continuem lá o vosso trabalho, amanhã mando entregar uma tesoura nova para ti, Átropos. Mas, carimbem o pergaminho. A missão foi superada.
- Vai, jovem Plínio, tens a nossa palavra. Mas, lembra-te… A tua barba pode não ser cortada, mas isto… - diz Átropos, enquanto aponta para um fio – pode. Lembra-te. Não és imortal.
Não és imortal. Não és imortal. Ecoava na cabeça de Plínio enquanto tudo se tornava negro. Quando voltou a abrir os olhos, as palavras ainda ecoavam nos seus ouvidos…
- Já ouvi…
- Já ouviste o quê? – Pergunta Geraldus.
- Ah! Já estou cá fora! Mas… Como vim cá parar?
- Ouvimos um grito – Responde Gaius – Parecia uma mulher, por isso eu e o Geraldus viemos ver. Mas eras só tu. Parabéns, vejo que tens o pergaminho carimbado.
- Podemos ir para casa, descansar?
- Qual quê, artista. Agora vais para a biblioteca do Menditus porque há muito para devolver à noite!
Plínio fez um ar desanimado, mas não era homem para desistir. Foi para a biblioteca e durante a noite, por entre o trabalho e mais uns plágios, contou a sua aventura a Menditus. Queria descansar, mas não havia tempo. O segundo trabalho estava já ali ao lado…

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