XI - Suum Cuique Tribuere

- 13 Trabalhos e meio! – Diz Plínio – Mas como é que aceitei isso?!
- Aceitaste porque não tinhas escolha, jovem gladiador – diz Geraldus, sabiamente.
Já tinham tudo arranjado e iam a caminho de Roma para iniciar os trabalhos. Geraldus conhecia um dono de uma biblioteca onde Plínio poderia trabalhar enquanto ia completando os trabalhos. Iam precisar da biblioteca para investigação e do dinheiro para viajarem e arranjarem o que era necessário para aquela árdua tarefa. Era o local ideal.
Ao chegarem, Geraldus inteirou o dono da biblioteca, Menditus, da história, deixando este impressionado:
- Com mil raios! – Diz Menditus – Mas isso é de loucos! Se não tivesse aqui a olhar para vocês diria que era de homem aceitar isso...
- Mas olha que é, olha que é... – Diz Geraldus.
- Eu já não digo nada – Acrescenta Plínio.
- Tem calma rapaz – Menditus dá umas palmadas nas costas do gladiador – Vais ver que vai tudo correr bem. – E vai dizendo que não nas costas dele, para Geraldus, que encolhe os ombros.
- Mas pronto, estamos aqui portanto porque precisamos da tua ajuda Menditus.
- E terás a minha ajuda Geraldus. Digam o que precisam que eu vos auxiliarei.
- Aqui o artista quer um emprego para poder pagar os custos das viagens e eu preciso da tua ajuda e dos teus colaboradores para elaborarmos planos para os confrontos que aí vem.
- Tudo bem, tudo bem, ali o rapaz parece ser um jovem trabalhador. Tem ar de quem gosta de fazer devoluções. Muito bem. Fica com o horário da noite.
- Da noite? – Pergunta Plínio.
- Sim, da noite, tens ar de morcego, peludo, ficas à noite.
- Epá... – Diz Plínio encavacado – É que, Menditus, eu preferia fazer os trabalhos à tarde. Não sei, mas combater monstros do tamanho de cinco andares dá ideia de ser melhor à tarde. Não sei, mas parece-me.
- Mas, mesmo que eu te ponha de manhã, terás de estar cá à tarde... Não sei como resolvemos isto Plínio – Rebate Menditus, tentando ajudar.
- Já sei! – Exclama Plínio. – E se eu fizesse o horário... Repartidus...
- Repartidus?! – Perguntam Menditus e Geraldus.
- Repartidus. – Responde Plínio.
- Repartidus? A milenar arte perdida do horário repartido entre a manhã e a noite, deixando a tarde livre? – Inquire Menditus, desconfiado.
- Repartidus, sim.
- E achas que és homem para isso?
- Eu acho que não – Diz Geraldus.
- Tu és sempre a mesma coisa! – Responde Plínio. – Eu faço Repartidus, se puder ser Menditus.
- Vou dar-te essa oportunidade... Mas olha que é preciso ser homem para isso, exige trabalho, dedicação, esforço. Trabalhas, matas monstros, depois vens trabalhar outra vez. Consegues?
- Consegue. E eu além disso venho contigo Plínio.
- Ah bom, assim fico mais animado. – Diz Plínio ironicamente.
- Agora segue-me Plínio, vou-te mostrar as instalações.
Menditus guiou Plínio pela extensa biblioteca parando junto dos seus colaboradores para apresentar Plínio e contar a sua história.
- Plínio, este é Sérgio Gaius, matemático, mestre da teoria e do pensamento lateral.
- Olá Plínio. 2+2?
- Ahn? – Pergunta Plínio.
- Era 4, mas está bem. Já vi que a matemática, a mãe de todas as ciências, não é o teu forte.
- De qualquer forma, aqui o Gaius irá ajudar sempre que for necessário nos teus desafios. Uma ajuda preciosa. Sabes que ele obteve a sua formação no Tecnicus?
- Não sabia – Diz Plínio – Mas estou impressionado.
- Não fiques. Era só homens. E duas ou três mulheres de buço. Ias sentir-te em casa.
- Vamos avançando – Indica Menditus.
Andaram mais uns corredores e lá estava ele, vestido de negro, longos cabelos louros.
- Plínio, quero apresentar-te o grande Edgar Porn O’Graficus, descendente dos povos ancestrais do norte, e proeminente músico de Metalus Negrus. O Edgar é mestre no oculto, divinação africana, cultos ancestrais e rituais sexuais dobrados em espanhol, e ovos mexidos.
- Oh si, cariño, tira me los pantalones! Podes tratar-me por Profesor Karamba.
- O quê?!
- Prazer em conhecer-te rapaz, boa sorte na tua aventura, e que os deuses nórdicos te acompanhem.
- Ah, obrigado. – Responde Plínio.
- E pronto, já conheces a equipa que, juntamente comigo e com o Geraldus, vamos ser o teu apoio nas tuas espinhosas missões. Aposto que estás mais descansado.
- Nem sabes o quanto...
Plínio começou no próprio dia a trabalhar e Menditus ficou impressionado com a carga de trabalho que o jovem aguentava. Era altamente despassarado, mas o seu gosto pelas letras, tanto na vertente da escrita como da leitura, compensava isso perfeitamente. Reuniram-se todos na sala central, e discutiram os trabalhos um a um, e aí foi Plínio que ficou impressionado. Quer pelas extraordinárias ideias sugeridas por Menditus, Gaius e Edgar, quer pela total inépcia e capacidade de Geraldus em distrair aqueles que trabalham. Com os planos que saíam dali, ainda que de difícil execução, Plínio sentia-se um bocado mais confiante. Eram monstros gigantes, locais inacessíveis, pergaminhos perdidos, não iria ser fácil. Mas, agora sentia-se melhor.
Fizeram uma pequena pausa para descansar, e Plínio e Menditus estiveram a falar dos clássicos literários, encontrando alguns gostos em comum. Edgar e Geraldus falavam das divas Jena Jamesonus e Alissa Milanus, e Gaius resolvia complexas funções. Finda a pausa, voltaram ao trabalho e Geraldus ficou na mesma.
Durante a noite, Menditus e Plínio ficaram na biblioteca. Gaius e Edgar voltariam no dia seguinte para ultimarem os pormenores do plano de trabalhos. Plínio aproximou-se de Menditus com um fragmento:
- Menditus, posso mostrar-te uma coisa?
- Claro Plínio, diz lá.
- Gostava que lesses aqui algo que eu escrevi.
- Ah, com todo o prazer... Deixa cá ver... “Ó Musa, fala-me do solerte varão, que, depois de ter destruído a cidade sagrada de Tróia, andou errante por muitas terras, viu as cidades de numerosas gentes e conheceu-lhes os costumes; e, por sobre o mar, sofreu no seu coração aflições sem conta...”. Oh Plínio – Diz Menditus, confuso – Mas isto... É a Odisseia de Homero!
- Pois... É? De certeza? Não posso.
- Oh Plínio... Por favor...
E Menditus retirou-se. Passado cinco minutos, Plínio volta com um novo fragmento.
- Menditus, lê agora este, muito original. Da minha autoria.
- Vamos lá ver então: “Canta-me a cólera - ó deusa! - funesta de Aquiles Pelida, causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos inúmeros e de baixarem para o Hades as almas de heróis numerosos e esclarecidos, ficando eles próprios aos cães atirados e como pasto das aves. Cumpriu-se de Zeus o desígnio...”. Mas Plínio! Isto é a Ilíada! Novamente Homero! Ele deve andar a dar voltas na campa!
- Então e este?
- Deixa lá ler isso: “Eles iam, obscuros, através da noite solitária, através da sombra e através das moradas vazias e do vão reino de Dite: tal é o caminho nos bosques, quando a lua é incerta, sob uma luz maligna, quando Júpiter mergulhou o céu na sombra e a sombria noite arrebatou às coisas sua cor...”. Eneida Plínio! Isto é a Eneida de Virgílio! Já percebi porque é que o teu último nome é Plagius!
- Ah, pois, pois é... Mas é inevitável, eu leio aquilo e penso que podia ter sido eu. E depois escrevo e sou eu que escrevo e é meu! É fantástico.
- Não é nada! Mas eu vou fingir que não tivemos esta conversa!
- Ah, deixa lá o rapaz, quando ele estiver no Coliseu a enriquecer-nos a todos já não te importas disso vais ver! – Diz Geraldus.
- Tu? – Inquire Menditus – Que é que estás aqui a fazer? A trabalhar?
- Eh lá, então, ofensas não! – Responde Geraldus – Vim apenas fazer-vos companhia para o resto da noite, podem precisar de mim.
- Exacto – Retorque Menditus – Estávamos mesmo a precisar alguém para a função do “nada”. Fazer “nada” é precioso, e há poucos que façam tão bem “nada” como tu, Geraldus.
- Assim já estás a falar a minha língua.
A noite acabou e Menditus ficou com a certeza de que tinha ganho um trabalhador capaz. E um apêndice chamado Geraldus.
Plínio foi para casa, para o Bairro Irenus. Aproveitou para ver a mãe, mas procurou ocultar o que se passava na realidade.
- Mãe, estou a trabalhar numa biblioteca em Roma.
- Muito bem filho, estou orgulhoso de ti, mas tem cuidado, não prendas a barba nas estantes nem os pêlos nos livros, deve ser doloroso.
- Ah pois...
- E vê se tiras esse fato estranho!
- Sou gladiador mãe!
- É, e eu sou o Zeus – Responde a mãe.
- A sério mãe! Veja só a pose!
- Plínio, pareces uma bicha maluca, levanta-te já, vai dormir que amanhã tens que trabalhar e tens que honrar o teu nome de família, Plagius!
Plínio tudo faria para honrar a sua mãe e o seu nome da família. Iria vencer os desafios. Iria completar os 13 trabalhos. E meio. E meio... E iria começar já amanhã, no covil secreto das Parcas...

Sem comentários: