IX - Vestis Virum Reddit

Plínio teve alguma dificuldade em habituar-se ao horário de treinos de Geraldus, mas não havia outro remédio. Geraldus dormia a manhã toda e chegava ao local do treino sempre atrasado e bastante ensonado, tornando a primeira hora de treino em algo irreal.
Geraldus deixava Plínio esperar horas, dizendo que estava a treinar a paciência, pois esta era importante para um gladiador. Mandava Plínio subir montes íngremes carregado de lenha, para depois entragá-la a um revendor, debaixo da desculpa de que devia aprender o que é ter o peso do mundo nos ombros. Quando o treino consistia em apanhar maçãs, Geraldus dizia que ele treinava o equilíbrio em cima do escadote.
As semanas foram-se sucedendo e a armadura usada de Geraldus era agora como uma segunda pele para Plínio. Talvez fosse por já se sentir um Gladiador. Talvez fosse porque não a tirava nem para dormir nem para tomar banho. O jovem aprendiz era paciente e trabalhador, mas após duas semanas de treinos sempre iguais, começou a pensar que não estava a evoluir como esperava. Por ele já era estava em Roma a orar perante plateias rendidas perante o tamanho e qualidade da sua barba, e se calhar, mas isso era secundário, das suas capacidades oratórias. Por isso, confrontou Geraldus:
- Geraldus, diz-me…
- Que desejas, mero aprendiz do mestre?- Bem, as primeiras semanas de treino foram boas…
- Sim…
- Mas agora…
- Agora o quê? – Interroga-se Geraldus.
- Agora isto está muito parado, sinto que tenho muito mais para dar, sinto que podemos avançar mais, ir mais alto, mais longe.
- Achas que podes ir mais longe?
- Claro! Ou não fosse o meu nome Plínio Plagius!
- Eu já nem me admirava se te chamasses Maria Lucrécia – Diz Geraldus, entre dentes.
- O quê?
- Nada, disse que daqui a três luas partimos para a Grécia.
- Grécia? Porquê? – Inquire Plínio, curioso.
- Logo verás, logo verás, tu que queres ir mais longe e achas que isto está parado…
- Boa!
- Quando vires o que é não vais achar nada bom, mas pronto, também não te quero tirar o sono…
- Assim sempre posso voltar a ver o velho Sócrates!
- Aproveita e despede-te dos familiares e amigos – Diz Geraldus, novamente entre dentes.
- O que é que disseste?
- Nada, disse que vamos passar nuns locais antigos.
- Ah sim, a Grécia é muito interessante…
Plínio não se preocupou muito com as palavras de Geraldus e continuou a treinar afincadamente.
O dia da viagem para a Grécia chegou, finalmente, e Plínio não conseguia conter a excitação:
- Ena pá Mulher! Isto vai ser lindo! Ai Plínio, belisca-te para ver se é verdade!
Quando olhou para Geraldus, viu o ar confuso dele perante aquelas declarações. Plínio limpou a garganta e disse, com a voz mais grossa que conseguiu:
- Então, homem! Vamos lá, homem que é homem viaja e vê gajas! Gajas!
Geraldus subiu para a carroça e deu inicio à viagem.
- Diz-me Geraldus, falta muito para eu ir para o Coliseu?
- Se quiseres podes ir já hoje, Plínio!
- Posso?! Então para já a carroça e vamos lá! O que é que preciso de fazer?- Comprar bilhete.
- …
- Para ires para o Coliseu ainda tens de comer muita fruta.
- Depois de comer muita fruta…
- Sim…
- Vou ser um homem e peras! – Plínio ri-se perdidamente – Homem e peras? Percebeste?
Geraldus ficou em silêncio durante alguns segundos. Primeiro porque Plínio tinha lançado uma das já suas famosas pérolas de linguagem. Segundo porque aquele riso de quem vai dominar o mundo deixa qualquer um de rastos.
- Esse riso… É de homem!
- Obrigado.
- Mas é a única coisa de homem que tens. O riso. Não o percas, pode vir a ser útil.
- Não sei se isso é um elogio, mas está bem. Obrigado na mesma.
A viagem até à Grécia foi rápida, Geraldus tinha a seu dispor os melhores cavalos da região. A conversa ia amena durante a viagem, mas as piadas de Plínio eram quase tão insuportáveis como os gases dos cavalos.
- Que raio Plínio! Estes cavalos! Que é que eles andaram a comer! Isto é nauseabundo, isto é de morte!
- Seitan…
- O quê?
- Eu dei-lhes seitan, queres um bocado? – Diz Plínio, enquanto tira da sua sacola um pedaço daquele “alimento” estranho.
- Plínio, penso que já defequei coisas com melhor aspecto que isso. Onde é que raio arranjaste isso?
- No Continentus ali ao pé do Bairro Irenus.
- Deviam investigar isso, não devia ser permitido vender essas coisas.
- Não sabes o que dizes, isto é bom! – Responde Plínio enquanto trinca um pedaço de seitan. - Alem de que já me salvou a vida algumas vezes…
- O estômago é teu…
Chegados à Grécia, Plínio foi visitar Rosus, que ficou bastante contente de o ver e o felicitou pelo rumo que a sua vida tinha tomado. Com Sócrates, a conversa foi diferente:
- Mestre Sócrates, voltei.
- Ah, Plínio! Ainda bem, estamos mesmo a precisar de ti.
- Então, alguma dúvida relativamente à Ética? Retórica?
- Não, vai haver um concurso internacional de barbas e tu, jovem, és a nossa referência.
- …
- Vai ser giro.
- Mas Sócrates, atingi um novo plano metafísico nesta viagem.
- Sim…
- Olhei o leão nos olhos, venci o meu medo, descobri quem sou, para onde vou.
- E para onde vais?
- Para o Coliseu.
- Há lá um concurso de barbas?
- Não Sócrates! Vou ser Gladiador!
- Mas vais ser um Gladiador barbudo, certo?
- …. Adeus Sócrates…
Plínio Voltou a encontrar-se com Geraldus junto ao Parthenon. A verdadeira viagem ia começar agora.
- Ora bem miúdo, então queres acção, queres evoluir e tal…
- Sim, para onde vamos agora?
- Vamos ao templo de Zeus.
- Que fazer?
- Falar com ele. Dizes que és tão homem e tal, quero te ver a dizer isso a Zeus.
- Mas eu não posso mentir a Zeus.
- Descansa, não vai ser preciso… Quando lá chegarmos ele fala contigo…
À medida que ia subindo os degraus, a sensação de que algo estava errado não saía da mente de Plínio. E o pior de tudo é que geralmente a sua intuição não falhava...

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