V - Una Lectio Non Facit Doctorem

Depois do susto na floresta, o caminho restante até Atenas passou num instante. Plínio caminhava sozinho, a um bom ritmo, entretido com os seus pensamentos, e nem deu pelo tempo passar. Chegado à Grécia tratou de procurar o melhor tutor possível para aprender a ler e a escrever. Apesar de muitos lhe dizerem que só ensinavam homens, Plínio não desistia. E foi assim que conhecia Carlius Rosus, o Filósofo. Rosus, com um impressionante antecedente filosófico, decidiu acolher Plínio e tirá-lo das ruas e do restaurante McDonaldinaikos, em Atenas.
Passaram seis meses de intenso convívio entre Plínio e Rosus, e os resultados estavam à vista. Plínio lia e escrevia com facilidade, e desenvolveu um enorme interesse pela Filosofia e pela numeração romana, apesar de ter alguma dificuldade em acertar com os números. Nas suas longas e interessantes conversas, Rosus falou a Plínio de Sócrates, um filósofo que despertou uma curiosidade intensa nele.
Um dia, Rosus anunciou que teria de partir para a cidade de Columbonis, algo de importante esperava lá por ele. Mas Plínio não esmoreceu. Plínio era um viajante, e, com o apoio de Rosus, partiu pela Grécia dentro em busca de Sócrates. Queria aprender com o melhor, queria saber o que os melhores sabiam, perguntar o que os maiores perguntavam. Para isso havia apenas um caminho a seguir: aquele em direcção à famosa Civita Universitárias, ali como quem vai para Atenas mas vira à direita antes do café Centralis. Plinio juntou as suas coisas e despediu-se de Carlius Rosus:
- Adeus Carlius, obrigado por tudo. Fizeste de mim um homem.
- Calma Plinio, milagres só os Deuses. De qualquer forma, foste um bom aluno.
- Obrigado Carlius. Como prova da minha gratidão, deixo-te este pedaço de seitan.
- Seitan? – Disse Carlius, espantado – mas isso come-se?
- É mais uma arma. Usa como bem entenderes.
- Assim o farei. Que Zeus te acompanhe na tua busca, e que alcances tudo o que desejas.
E Plinio partiu, com a bênção do seu mestre, deixando atrás de si a promessa de se tornar numa pessoa melhor. Rosus ficava contente se ele se tornasse numa pessoa normal. Nunca percebeu a sua obsessão pelo cosmos e o medo de árvores, mas passado algum tempo habitou-se. E agora via o jovem Plinio partir, destemido, em busca dos seus sonhos. A sua força de vontade era impressionante, e Rosus sabia que enquanto o seu sonho fosse a sua estrela guia no céu negro da vida, Plinio estaria a salvo.
- Nunca deixes de sonhar – suspirou Rosus enquanto via Plinio desaparecer no horizonte.
Plínio caminhava agora com uma confiança redobrada. Já se habituou às reacções das pessoas quando lia tudo o que era possível ser lido pelo caminho, tal era o seu gosto pela leitura. Sentia-se livre. Já nem sequer se lembrava das palavras de Sancto Geraldus. Mas de Sofia iria lembrar-se, para sempre. Aquele encontro tinha o marcado profundamente.
À medida que se ia aproximando da Civitas Universitárias, Plínio foi vendo um número cada vez maior de homens com barbas longas e bem cuidadas. Plínio levou a mão à barba e lembrou-se da sua mãe. Sentiu-se bastante mal, pois não tinha pensado muito nela durante a viagem. Ficou parado durante alguns momentos, a pensar na sua mãe e no quanto sentia a sua falta. No entanto, sabia que a sua viagem já estava quase no fim e que dali por pouco tempo veria a sua mãe novamente, e o facto de saber ler e escrever seria, para ela, motivo de orgulho.
Ao retomar o caminho, Plínio não pôde deixar de reparar que alguns homens, envergando túnicas brancas e segurando fragmentos debaixo do braço, comentavam a sua passagem enquanto esfregavam as longas barbas. Alguns apontavam, inclusivamente, para a sua barba. Plínio não gostava de ser o centro das atenções por isso acelerou o passo em direcção à Civita Universitárias.
Já dentro das históricas instalações, Plínio dirigiu-se à secretaria onde teve de preencher alguns fragmentos, coisa que fez com inusitada rapidez e eficácia. Inscreveu-se no curso de Filosofia. O curso tinha duração de três meses, em vez dos quatro habituais, devido ao infame tratado de Bolonha, mas isso ainda servia melhor as pretensões de Plínio.
O curso começou e Plínio estava a safar-se bastante bem. As primeiras semanas correram sem sobressaltos e Plínio, bem entrosado com os colegas, candidatou-se a Imperador da Associação de Estudantes, debaixo do lema: Primum vivere, deinde philosophari. Tudo parecia correr pelo melhor, quando uma chamada inesperada ao gabinete do próprio Sócrates deixou Plínio sobressaltado. Plínio não se apercebia de algo que pudesse ter feito para ser chamado à presença de Sócrates. Apesar de ter sonhado com esse momento, Plínio não augurava nada de bom neste encontro. E era cedo demais para encontrar o mestre, Plínio sabia que ainda não dominava a arte de filosofar o suficiente sequer para se encontrar na presença de Sócrates. Mas se este assim ordenou, assim teria de ser feito. As aulas nesse dia correram bem, afinal de contas, ética era das cadeiras preferidas de Plínio, e ele tentou de tudo para não se lembrar do encontro com o mestre. Chegada a hora, Plínio caminhou, pé ante pé, um atrás do outro, rumo à reitoria. Bateu duas vezes à porta, e ficou à espera que uma voz de trovão ecoasse do outro lado da porta, mas o que surgiu no seu lugar foi uma voz esganiçada e sopinha de massa:
- Podes entrar, Plínio.
- Obrigado – Disse Plínio, enquanto fazia uma vénia ao mestre.
- Senta-te, Plínio. – Afirmou Sócrates, fazendo depois uma pausa enquanto Plínio ajeitava a túnica para se sentar. – Diz-me, rapaz, deves estar curioso em saber qual a razão que me levou a requisitar a tua presença...
- Sim, estou bastante curioso.
- Ainda bem, a curiosidade é um sentimento digno. Mas o que é um sentimento, afinal? Quem é que sente? Somos nós que sentimos? Ou os sentimentos é nos usam como veículo para existir? E tu, quem és?
- Eu? – Responde Plínio, confuso –Mas eu sou Plínio Plagius, o senhor chamou-me!
- Bem sei Plínio, era uma pergunta retórica. Conheces Retórica?
- É só no terceiro mês que estudamos, mestre, e...
- Não, Plínio, estava a falar da senhora da cafetaria, faz uns petiscos fantásticos. Voltando à nossa conversa inicial, alguns professores chamaram-me a atenção para a tua pessoa.
- Obrigado, mestre, tenho me esforçado bastante nas aulas e penso ter assimilado e desenvolvido bem todos os...
- Não, Plinio, a tua barba. Essa barba...
- A minha barba?
- Sim, a tua barba... Acho que nunca vi nada assim... Com essa barba irás tornar-te, seguramente, num grande filósofo.
- Perdoe a pergunta, mestre, mas o que é que a barba tem a ver com filosofia?
- Tudo, jovem, tudo. Quem domina a barba, domina todas as questões metafísicas do Universo.
- Mas e o estudo? E o debate?
- Balelas e mais balelas, Plínio. É de barbas como essa que precisamos aqui. Junta-te a nós Plínio e reserva já o teu lugar na imortalidade.
Plínio estava triste, porque a sua ética parecia condenar toda esta conversa, mas, por outro lado, estar ao lado de Sócrates era tremendamente excitante e encorajador.
- Sim. Sócrates, ensine-me tudo. Por onde começamos? Ética? Retórica? Filosofia Clássica?
- Estava mais a pensar – disse Sócrates, enquanto se levantava – em Aparo e Restauro da Barba, Crescimento Sustentado da Barba e Restauro e Conservação do Pêlo.
- Bem... Se é isso que o Sócrates quer...
E assim se passaram os restantes meses, em constante tratamento da barba. Também havia filosofia pelo meio, mas nada suficientemente importante para assinalar. Plínio ganhou a confiança e, mais importante, o respeito de Sócrates e dos seus pares. Tudo corria bem, Plínio ponderava ficara para sempre na Grécia. Até um dia, em que chegou um homem vindo de Jerusalém, com umas mensagens deveras estranhas:
- Ouçam! Ouçam todos! Vim de Jerusalém! Está lá o Messias! Chegou o Senhor! Ele anda sobre a água!
E todos aplaudiram e comentaram.
- Ouçam! Ele cura os cegos e os surdos!
E todos aplaudiram.
- Acreditem, eu vi, ele ressuscitou da morte!
Todos aplaudiram novamente.
- E ele tem a melhor barba alguma vez vista!
Todos aplaudiram. Mas, eis que, sem nada o fazer prever, surge uma voz no meio da multidão:
- Basta! – Grita Plínio, perante a plateia incrédula – Quem é esse Messias de que me falas?
- Jesus Cristo, filho de Deus nosso Senhor.
- E a barba dele, como podes afirmar que é a melhor?
- Ele é todo-poderoso! – Responde, irritado, o viajante.
- Isso não quer dizer que a barba o seja.
E assim ficou decidido. Plínio iria a Jerusalém, pôr a sua barba à prova com o Rei dos Reis: Jesus Cristo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Li de uma ponta à outra, está demais! Fartei-me de rir! Boa sorte para Plínio Plagius e o seu pedaço de seitan! :)

Anónimo disse...

Li de uma ponta à outra, está demais! Fartei-me de rir! Boa sorte para Plínio Plagius e o seu pedaço de seitan! :)

Um abraço.