III - Leonis Catulum Ne Alas

Ainda não estava refeito do que ficou posteriormente conhecido como o ataque de seitan, Plínio corria tanto quanto podia pela estrada romana fora. Sabia que mais cedo ou mais tarde seria apanhado pelo cansaço, sabia que dele não conseguia fugir. Mas Plínio corria: Plínio era como o vento. Plínio era o vento. Os seus pêlos todos direccionados para trás, provocando uma reacção aerodinâmica que acelerava a sua corrida. Ele desconhecia que triste destino teria tido Olívia, até podia ser que fosse só um pequeno engasgo, que depois comeria o seitan na paz de César. Mas não podia ficar para saber. Não poderia ser detido, não podia correr o risco de perder o seu futuro. Tinha de aprender a ler.
Mergulhado nos seus pensamentos, atrasado apenas por um irritante sentimento de culpa, um zumbido incessante no seu ouvido que o distraía e perturbava, Plínio corria. Corria a tal velocidade que deixou bastante impressionado Sancto Geraldus, que passava por perto. Geraldus fora um gladiador, quando era novo, e teve a seus pés o maior dos palcos: o Coliseu. Mas uma terrível lesão na garganta impediu-o de terminar a carreira em glória e deixou com a voz de uma bailarina reformada de 50 anos. Retirou-se para o norte, onde vivia, na ânsia de encontrar alguém digno de treinar, de moldar à sua imagem. Assim, através do seu discípulo, poderia voltar aos dias de glória, aos aplausos. O seu ego era um rio seco, um leito crestado pelo sol. Geraldus nunca tinha visto ninguém correr assim. Mesmo tendo treinado durante tantos anos, ter visto os melhores dos melhores ao seu lado, nunca tinha visto ninguém correr assim. Lembrou-se dos leões da savana africana, onde treinou durante algum tempo e pensou para si mesmo: Este jovem é um leão. Viu Plínio fazer a curva, e atravessou-se no meio da estrada romana. Plínio, distraído com a culpa, não viu Geraldus e embateu contra ele violentamente
- Desculpe! – gritou Plínio.
- Deixe lá isso… - respondeu Geraldus, enquanto sacudia o pó – Conte-me, rapaz, onde vai com tanta pressa?
- Plínio, o meu nome é Plínio.
- Então, Plínio, de onde vens? Para onde vais? Porquê essa velocidade?
- Por nada. Quer dizer… Nada. Gosto de correr.
- Parecias um leão.
- Eu sei que sou peludo, mas não há necessidade de insultar e…
- Não Plínio – interrompeu Geraldus – parecias um leão pela tua velocidade, não devido aos teus fartos pêlos.
- Ah…
- Plínio, sou Sancto Geraldus.
- Quem?
- Geraldus?
- Quem?
- …
- Não conheço.
- Fui o maior Gladiador de sempre.
- Não conheço muitos gladiadores, eu é mais luta greco-romana..
- Ah, então gostas de homens nus a esfregarem-se uns nos outros. Compreendo… Sei que te conheço há escassos segundos Plínio, mas, quero pedir-te uma coisa…
- Mas eu gosto de mulheres!
- Quero treinar-te Plínio. Com a tua velocidade e a minha experiência, podes vir a tornar-te num Deus Plínio, num Deus!
- Mas eu só quero aprender a ler… - Diz Plínio, entre dentes.
- O quê?
- Nada, nada.
- Bom, jovem Plínio, diz-me, de onde vens, afinal?
- Bairro Irenus.
- Ah, conheço, um bairro de homens duros. Plínio, está no teu sangue lutar. Conta-me, já lutaste, não é verdade?
- Bem, uma vez lutei…
- E aposto que estavas sozinho contra dez bárbaros – diz Geraldus, entusiasmado – e que os dominaste a todos e
- Não, na verdade – interrompeu Plínio – lutei contra a Catalina Zarolha. Ela não é bem bárbara, apesar de ter um grande buço.
- É melhor do que nada. Então Plínio, que me dizes rapaz?
- Não posso ficar, Sr. Geraldus. Aliás, já se faz bastante tarde, eu tenho de ir andando, não vá a Olívia mandar alguém atrás de mim e eu não posso perder tempo.
- De que é que estás a falar rapaz?
- Nada, nada. Vou andando!
- Pensa bem na minha oferta rapaz, não sei se não nos voltaremos a ver. – Diz Geraldus, queixoso, enquanto se agarra às costas.
- O Cosmos o dirá! Adeus!
E Plínio parte, novamente, numa correria desenfreada, rumo á Grécia. Pára para consultar o Planetus Solitários e vê que está no caminho certo. Até porque é o único. Sorri, já não vê no horizonte a aldeia de Olívia e sente que já está mais seguro. Segundo o mapa, e pelo que consegue entender, está apenas a dois dias de caminho da Grécia, o que lhe traz uma força renovada à alma. Olha para o céu, vê o Sol prestes a pôr-se e concentra-se nos raios avermelhados que este lança geometricamente pelo céu, por entre as escassas nuvens. Se este quadro fosse criado pela mão ímpia do homem, teria sido criado em sua honra.
Quando voltou a caminhar, reparou que no seu caminho atravessava-se uma densa floresta. E estava a anoitecer. Plínio tinha ouvido, ao deitar-se, inúmeras histórias sobre florestas densas, com animais aterradores, árvores com feições humanas e… Raminhos assassinos. Plínio não conseguia encontrar no seu âmago a razão, mas algo nos raminhos assassinos lhe causava algum desconforto. Mas não quis perder tempo com todo esse folclore que os mais velhos insistiam em reproduzir. Seriam decerto apenas histórias para entreter e assustar, nada mais.
Já se vislumbravam as primeiras estrelas, aqueles pontos de luz intermitentes no grande manto azul-escuro da noite, quando Plínio chegou à entrada da floresta. Um dilema atravessou-se no seu caminho: ou pernoitava por ali, a céu aberto, perdendo tempo da viagem, mas atravessava a floresta de dia, num cenário bem menos assustador ou, fazia-se homem e atravessava já a floresta, descansando quando saísse dela. Plínio olhou para o céu e perguntou a si mesmo:
- O que é que o Cosmos reserva para mim?
Ao dizer esta frase, acendeu-se uma luz no meio da floresta. Parecia vir de uma habitação. Se porventura a sua primeira impressão estivesse certa, com alguma sorte, Plínio poderia pernoitar nessa habitação, fruto da caridade do dono ou dona. Temerário, Plínio decidiu avançar… Afastou dois arbustos e deparou-se com uma tabuleta com algo escrito, e Plínio praguejou por não saber ler:
- Ai Mulher, Valha-te César! – disse, numa voz aguda. Depois tossiu duas vezes e disse – Com Mil Raios! Ah, assim está melhor.
E prosseguiu o caminho. Talvez Plínio devesse ter tentado ler. Talvez não devesse ter continuado. Talvez não devesse ter entrado na… Floresta dos Raminhos!

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